quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

"Educação e Cultura Artística: o exemplo da Orquestra de Câmara do Minho"*

«“Não há sociedade democrática que possa viver, progredindo, sem o culto da Arte”
João de Barros (Educação Republicana, 1916)

A cultura é um valor inquestionável na vida humana e um factor de desenvolvimento pessoal e social. Como elemento de humanização e de enriquecimento espiritual, determinante no tecido económico e social com incidência no mercado de emprego e parte integrante de cidadania crítica, a cultura contribui para uma qualidade de vida que urge preservar.
No entanto, uma parte da sociedade portuguesa continua a vincular a ideia de que as actividades na área da cultura se traduzem sempre em gastos dos dinheiros públicos. Importa, por essa razão, como afirma José Jorge Letria, continuar a defender a ideia e o princípio de que a cultura nunca é uma despesa mas, pelo contrário, um investimento sem o qual não há uma cidadania plena.
Para Joaquim Vieira, a cultura artística é um valor superior, e não um adorno, ou um acto decorativo, mas um dos suportes da existência como povo e como espécie. Também para Milan Kundera, a arte é tão importante como a Ciência no campo do desenvolvimento cognitivo, pois revela algo de importância vital para o homem: o conhecimento dos paradigmas que, ao longo da história, lhe enquadram a existência.
 A relação entre a arte e a educação e a cultura tornam-se vitais em torno de um projecto comum que converge numa educação artística que começa na escola e acompanha a vida numa permanente aprendizagem do gosto e da sensibilidade.
Numa época de cepticismo e indiferença, o caminho da Arte e o seu papel no ser humano pode ser, como afirma António Damásio, um elemento unificador da harmonia e capaz de através dos sentimentos e emoções vividas sustentar as maiores criações do espírito humano. Numa sociedade cada vez mais competitiva precisamos de trabalhadores criativos, flexíveis, inovadores, dando a Educação Artística um enorme contributo neste campo.

A Orquestra de Câmara do Minho (2006-2011): um projecto inédito no contexto universitário português
Fundada em 2006 e contando na sua génese com o decisivo apoio do então Reitor Professor António Guimarães Rodrigues e do Vice-Reitor para a área da Cultura, Professor Acílio Estanqueiro Rocha, bem como de toda a equipa reitoral, a Orquestra de Câmara do Minho foi criada no sentido de contribuir para a concretização da missão e objectivos da Instituição na sua dimensão cultural e artística.
Da sua Comissão de Honra faziam também parte a instrumentista e pedagoga Madalena Sá e Costa, o Governador Civil de Braga e os Presidentes das Câmaras de Braga, Guimarães, Famalicão, Amares, Cabeceiras de Basto, Póvoa do Lanhoso, Terras de Bouro e Ponte de Lima.
Formada por cerca de três dezenas de jovens músicos, com formação de nível superior em prestigiadas escolas portuguesas e estrangeiras, e por docentes do Departamento de Música do Instituto de Letras e Ciências Humanas, que asseguravam a chefia dos naipes da orquestra e o lugar de concertino, a orquestra tinha por objectivo apoiar e optimizar o ensino ministrado no curso de Licenciatura em Música assegurando a participação de estudantes selecionados, facultando-lhes a possibilidade de realizarem estágios numa orquestra de profissionais e, assim, desenvolverem aptidões tendo em vista um percurso profissional como intérpretes. Funcionando por projectos, a orquestra desenvolveu a sua missão contribuindo para um desenvolvimento cultural e artístico no seio da Universidade, para a representação cultural e artística da Instituição e, por fim, prestando um serviço cultural à comunidade. Exemplo de empreendedorismo, enquanto acção inovadora que visou a concretização de uma visão nova no seio de uma instituição universitária em Portugal, a Orquestra de Câmara do Minho teve um comportamento proactivo, agarrando oportunidades, antecipando a procura, revelando ainda uma postura combativa ultrapassando contrariedades. Projecto inédito de uma orquestra de nível profissional no contexto universitário português, reclamando o seu valor numa actuação ampla e transversal nos domínios da Educação e Cultura, a Orquestra de Câmara do Minho desenvolveu uma intensa actividade cultural, fixando um público académico, atraindo novos públicos, aproximando do ponto de vista da fruição cultural a comunidade académica e a população das cidades de Braga e Guimarães.
A orquestra iniciou a sua actividade no Grande Auditório do Parque de Exposições de Braga, num concerto dirigido por Vítor Matos, tendo como solista o pianista Luís Pipa, num programa dedicado às comemorações dos 250 anos do nascimento de Wolfgang Amadeus Mozart. Apresentando-se pela primeira vez no Salão Medieval da Reitoria no concerto comemorativo do 33º aniversário da Universidade do Minho em 2007, a orquestra foi dirigida por Pedro Carneiro que interpretou a Suite D’Aquém e D’Além Mar para marimba e orquestra da autoria do compositor Eurico Carrapatoso.
Neste mesmo ano, a orquestra foi convidada para colaborar no Concurso Internacional de Instrumentos de Arco “Júlio Cardona” na Covilhã, convite que se viria a repetir nos anos seguintes, sendo dirigida pelo jovem maestro Luís Filipe Machado, pós-graduado em Direcção de Orquestra com Distinção pela Royal Academy of Music em Londres. Luís Filipe Machado colaborou com a Universidade do Minho noutros projectos destacando-se, pela qualidade alcançada, o concerto em que dirigiu a Orquestra da Universidade do Minho e o Coro de Câmara do Curso de Licenciatura, no Mosteiro de S. Martinho de Tibães, em 2010, no âmbito do Colóquio Internacional “Do Sagrado na Arte”, na interpretação da belíssima obra de Eurico Carrapatoso Magnificat em Talha Dourada para soprano, coro e orquestra, com a presença do compositor.
A Orquestra da Universidade do Minho gerou e conferiu desde logo visibilidade e credibilidade no seu espaço de intervenção realizando inúmeros concertos quer integrados nas actividades culturais da Universidade, quer a convite de várias instituições como, por exemplo, o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL). Os seus concertos foram gravados pela Rádio e Televisão de Portugal podendo ser ouvidos até hoje na programação da Antena 2. A sua programação integrou com frequência obras de Música de compositores portugueses. Como solistas realizaram concertos com a orquestra da Universidade do Minho o violinista Ilya Grubert, o violoncelista Gary Hoffman, as sopranos Angélica Neto e Dora Rodrigues, entre outros músicos. A orquestra interpretou em primeira audição mundial Fantasia Conventual de Joaquim dos Santos (compositor de música sacra do século XX) e Romp para Piano e Orquestra da autoria do compositor americano Daniel Kessner. Em vários concertos contou com a colaboração do Coro da Academia de Música de Viana do Castelo, dirigido por Vitor Lima.

O Maestro Toby Hoffman e a Orquestra da Universidade do Minho
Iniciando um novo ciclo, a orquestra teve o privilégio de ser dirigida pelo maestro norte-americano Toby Hoffman, músico distinto formado na famosa Julliard School de Nova York, onde estudou viola d’arco com Paul Doktor, apresentando-se em concerto com um instrumento construído em 1628, em Cremona, Itália, que pertenceu à Rainha Vitória de Inglaterra.
Toby Hoffman foi discípulo em direcção orquestral no Conservatório de Música Sibelius na Universidade de Helsínquia, do famoso maestro Jorma Panula, onde também viria a leccionar. A sua carreira de maestro inclui a direcção  da Moscow Symphony Orchestra, Verona Sinfonietta, Amsterdam Chamber Orchestra, entre muitas outras orquestras espalhadas pelo mundo. Convidado pela Universidade do Minho em 2010, veio viver para Portugal para aqui realizar um trabalho de nível artístico superior dirigindo a orquestra da Universidade, o coro e a orquestra académica do Departamento de Música, e leccionar no referido Departamento.
Toby Hoffman desenvolveu também uma carreira internacional de relevo em Música de Câmara tocando com músicos consagrados como o pianista Maurizio Pollini, ou o violinista Salvatore Accardo, Toby Hoffman foi músico residente na Universidade de Harvard e director musical de prestigiados eventos musicais. Recentemente participou no famoso festival anual de Música de Câmara de Hong Kong. As suas gravações podem ser encontradas em diferentes editoras discográficas como a CRT, Philips, Sony, Noova Era, Dynamic, Arabesque e Teldec.
Todos os concertos superiormente dirigidos por Toby Hoffman, foram alvo de elogiosas críticas pelo meio musical português. Destacam-se porém os concertos comemorativos do 36º Aniversário da Universidade do Minho em Braga e Guimarães com a interpretação da Suite para cordas e percussão de Jean Sibelius, da Sinfonia nº7 de Ludwig van Beethoven e do Concerto para violino e orquestra op.35 de P. I. Tchaikovsky, tendo como solista Ilya Grubert, também docente do Departamento de Música, detentor do 1º Prémio em Interpretação na Competição Internacional Tchaikovsky, uma das mais prestigiadas competições no âmbito da música erudita.

A XIV Semana Internacional de Óbidos e o Maestro Jean- Marc Burfin
Em 2009, a Orquestra da Universidade do Minho foi convidada a participar no concerto de encerramento da XIV Semana Internacional de Piano de Óbidos, sendo dirigida pelo maestro Jean-Marc Burfin. O programa incluiu a interpretação da Sinfonia KV201 e o concerto para piano e orquestra KV414 de W. A. Mozart com Manuela Gouveia ao piano, e ainda a Serenata para cordas op.48 de P.I. Tchaikovsky. O concerto, realizado no Santuário do Senhor Jesus de Pedra, foi editado em CD pela Associação de Cursos Internacionais de Música de Óbidos que organiza o evento, um dos mais importantes no seu género em Portugal, reunindo grandes personalidades do mundo da música.
O maestro francês Jean-Marc Burfin  formou-se no Conservatório Nacional Superior de Música de Paris, onde obteve em Junho de 1987 e por unanimidade do júri, o 1.º prémio de Direcção de Orquestra na classe de Jean-Sébastien Béreau. Diplomado pela Academia de Verão do Mozarteum, em Salzbourg, foi convidado para dirigir a Orquestra do M.I.T. de Boston em 1984, ao lado de Lorin Maazel e a Orquestra de Paris, em 1987. Jean-Marc Burfin dirigiu várias orquestras, tanto em França como no estrangeiro e na temporada de 2003/2004 foi Director Artístico da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Pedagogo reconhecido é um dos raros maestros em actividade a ensinar direcção de orquestra, sendo actualmente docente na Academia Superior de Orquestra e Maestro Titular da Orquestra Académica Metropolitana, tendo colaborado regularmente com o Departamento de Música até 2011.

A orquestra da Universidade do Minho e os coros e orquestras académicas do curso de Licenciatura em Música
Com a criação do Curso de Licenciatura em Música na Universidade do Minho no ano lectivo de 2007-2008, foram criados no âmbito das Unidades Curriculares do curso vários conjuntos vocais e instrumentais, nomeadamente Coro de Câmara, Orquestra de Sopros, Orquestra de Cordas, Ensemble Instrumentais, Coro e Orquestra Académica, campos de aprendizagem musical, experiência e labor artístico que, de forma integrada e articulada com os três ramos do Curso, Interpretação Musical / Instrumento e Direcção Coral e Ciências Musicais desenvolveram inúmeros projectos artísticos.
Além dos projectos realizados no âmbito do Curso de Licenciatura em Música, os jovens estudantes da Universidade do Minho tiveram ainda o privilégio de poder integrar a Orquestra da Universidade do Minho, participando nos concertos organizados no âmbito das comemorações do aniversário da Instituição, nas várias edições do Festival de Outono, organizado pelo seu Conselho Cultural e em concertos organizados por outras instituições e Câmaras Municipais da região. Em estreita ligação com o Coro e Orquestra Académica do Departamento de Música do Instituto de Letras e Ciências Humanas, a Orquestra da Universidade do Minho realizou regularmente projectos artísticos comuns e devidamente articulados com o Departamento de Música do ILCH, dando oportunidade aos jovens estudantes da Licenciatura em Música de se apresentarem com músicos profissionais e realizarem estágios de alto nível artístico proporcionando-lhes momentos únicos de aprendizagem, sempre articulados com a verdadeira acção pedagógica.
Entre tantos projectos realizados destaca-se a participação da Orquestra Académica no Festival Internacional Traseuropéennes em Rouen, no noroeste de França, em 2010 e 2011, que anualmente junta um milhar de músicos de vinte países e conta com mais de 30 mil espectadores em cada ano. Os concertos que realizou em França e Portugal no âmbito do Festival foram dirigidos pelo Maestro Jean-Marc Burfin e contaram com a participação de jovens convidados de outras escolas do país e de músicos da Orquestra da Universidade do Minho.
Em Outubro de 2009, a Orquestra Académica, reforçada por docentes do Departamento de Música e músicos da Orquestra da Universidade do Minho foi dirigida pelo Maestro Pedro Neves no Concerto Comemorativo do 140º aniversário do Instituto Monsenhor Airosa. O concerto para piano e orquestra nº 27 K595 de Wolfgang Amadeus Mozart teve como solista o pianista Pedro Burmester.
Em Novembro de 2010, o Coro e Orquestra Académica realizou um concerto na Igreja de S. Roque, em Lisboa, integrado no Congresso Internacional Ordens e Congregações Religiosas em Portugal. Memória, Presença e Diásporas. Neste concerto, dedicado à música sacra em Portugal (séc. XVIII), foram solistas a soprano Magna Ferreira e o  contratenor  Vitor Lima, com  direcção musical do Maestro  Luis Filipe Machado.
A Irmandade de Santa Cruz, a Misericórdia de Braga, o Mosteiro de Tibães e a sua junta de Freguesia, a Igreja de S. Lázaro e a respectiva Junta de Freguesia, as Câmaras Municipais de Ponte de Lima, Vila Verde e Vila do Conde, bem como as várias Escolas e Institutos da Universidade são algumas das entidades que acolheram os eventos artísticos do Departamento de Música.

Cultura e Desenvolvimento Artístico: um desafio para a Universidade do Minho
Segundo João Teixeira Lopes, é frequente a cultura ser encarada não como um domínio merecedor de uma política relativamente autónoma, mas antes como um acréscimo de legitimação do poder político que se apresenta e representa através de mediações simbólicas de visibilidade, espectáculo e festa. Confunde-se política cultural com o uso instrumental de certas actividades e actores inseridos de forma diversa no campo cultural. Persiste-se em programações com espectacularidade efémera, em acções intermitentes e privilegia-se a ostentação, sem desenvolvimento da sensibilidade artística e predisposição cultural.
Para evitar tal situação, importa obedecer a regras claras, prioridades e critérios bem definidos. Maria de Lourdes Santos referiu, em 2007, quatro exigências com que se confrontavam as políticas culturais em Portugal e que, no nosso entender, são também os princípios que devem orientar o eixo Arte, Educação e Cultura na Universidade do Minho: exigências de qualificação para os agentes culturais e artísticos; exigências de participação cultural para a população académica e população em geral; exigências de internacionalização envolvendo projectos, bens e serviços culturais; exigências de sustentabilidade para os projectos que revelem mais e melhor actividade cultural.
E sendo a cultura, como afirma Ana Gabriela Macedo, Presidente do Conselho Cultural da Universidade do Minho, um estado dinâmico que deve inquietar e desassossegar permanentemente, cabe à Universidade liderar uma efectiva cooperação cultural intra e extra-muros desempenhando um papel fulcral no desenvolvimento dos mundos da Cultura.
Que a Arte (a Música) seja uma realidade na Universidade do Minho, tal como a descreve Susanne Langer: “o nosso mito de vida interior”»

 Elisa Lessa

                                                                                             
Bibliografia citada:
Branco, João de Freitas (…) Lisboa: Associação Portuguesa de Educação Musical.
Damásio, António (2010) O Livro da Consciência. Lisboa: Círculo de Leitores.
Kundera, Milan (1988) A Arte do Romance. Lisboa: D. Quixote.
Letria, José Jorge (2000) Pela Cultura. A experiência de Cascais e outras reflexões. Lisboa: Hugin.
Macedo, Ana Gabriela (2011) “De que falamos, quando falamos de Cultura?”Forum. Universidade do Minho: Conselho Cultural.
Santos, Maria de Lourdes Lima dos (2007) Políticas Culturais em Portugal. www.oac.pt.
Teixeira Lopes, João (2003) Escola, território e políticas culturais. Porto. Campo das Letras.
Vieira, Joaquim (1992) “C.Q.R. no Ensino Artístico (ou quem tem medo da diferenciação)”. Ensino Artístico. Porto: Edições Asa.

Por escolha da autora, este texto não segue o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

[Elisa Maria Maia da Silva Lessa é Professora Associada do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho e responsável científica da área de Ciências Musicais. Co-autora da proposta de criação do Curso de Licenciatura em Música em 2006, exerceu os cargos de Directora do Curso e do Departamento de Música até 2011. No exercício das suas funções criou o Coro de Câmara, a Orquestra de Sopros, a Orquestra de Cordas, os Ensemble Instrumentais e o Coro e Orquestra Académica do Departamento de Música. Foi igualmente fundadora e Directora Artística da Orquestra da Universidade do Minho entre 2006-2011. Actualmente é membro da direcção da Casa Museu de Monção, Unidade Cultural da Universidade do Minho.]

(reprodução de artigo publicado nesta data no Diário do Minho)

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