«“Não há sociedade democrática que possa viver,
progredindo, sem o culto da Arte”
João de Barros (Educação Republicana, 1916)
A cultura
é um valor inquestionável na vida humana e um factor de desenvolvimento pessoal
e social. Como elemento de humanização e de enriquecimento espiritual,
determinante no tecido económico e social com incidência no mercado de emprego
e parte integrante de cidadania crítica, a cultura contribui para uma qualidade
de vida que urge preservar.
No
entanto, uma parte da sociedade portuguesa continua a vincular a ideia de que
as actividades na área da cultura se traduzem sempre em gastos dos dinheiros
públicos. Importa, por essa razão, como afirma José Jorge Letria, continuar a
defender a ideia e o princípio de que a cultura nunca é uma despesa mas, pelo
contrário, um investimento sem o qual não há uma cidadania plena.
Para Joaquim
Vieira, a cultura artística é um valor superior, e não um adorno, ou um acto
decorativo, mas um dos suportes da existência como povo e como espécie. Também
para Milan Kundera, a arte é tão importante como a Ciência no campo do
desenvolvimento cognitivo, pois revela algo de importância vital para o homem:
o conhecimento dos paradigmas que, ao longo da história, lhe enquadram a
existência.
A relação entre a arte e a educação e a
cultura tornam-se vitais em torno de um projecto comum que converge numa
educação artística que começa na escola e acompanha a vida numa permanente aprendizagem
do gosto e da sensibilidade.
Numa época
de cepticismo e indiferença, o caminho da Arte e o seu papel no ser humano pode
ser, como afirma António Damásio, um elemento unificador da harmonia e capaz de
através dos sentimentos e emoções vividas sustentar as maiores criações do
espírito humano. Numa sociedade cada vez mais competitiva precisamos de
trabalhadores criativos, flexíveis, inovadores, dando a Educação Artística um
enorme contributo neste campo.
A Orquestra de Câmara do Minho
(2006-2011): um projecto inédito no contexto universitário português
Fundada em 2006 e contando na sua
génese com o decisivo apoio do então Reitor Professor António Guimarães
Rodrigues e do Vice-Reitor para a área da Cultura, Professor Acílio Estanqueiro
Rocha, bem como de toda a equipa reitoral, a Orquestra de Câmara do Minho foi
criada no sentido de contribuir para a concretização da missão e objectivos da
Instituição na sua dimensão cultural e artística.
Da sua Comissão de Honra faziam também
parte a instrumentista e pedagoga Madalena Sá e Costa, o Governador Civil de
Braga e os Presidentes das Câmaras de Braga, Guimarães, Famalicão, Amares,
Cabeceiras de Basto, Póvoa do Lanhoso, Terras de Bouro e Ponte de Lima.
Formada por cerca de três dezenas de jovens
músicos, com formação de nível superior em prestigiadas escolas portuguesas e
estrangeiras, e por docentes do Departamento de Música do Instituto de Letras e
Ciências Humanas, que asseguravam a chefia dos naipes da orquestra e o lugar de
concertino, a orquestra tinha por objectivo apoiar e optimizar o ensino
ministrado no curso de Licenciatura em Música assegurando a participação de
estudantes selecionados, facultando-lhes a possibilidade de realizarem estágios
numa orquestra de profissionais e, assim, desenvolverem aptidões tendo em vista
um percurso profissional como intérpretes. Funcionando por projectos, a
orquestra desenvolveu a sua missão contribuindo para um desenvolvimento
cultural e artístico no seio da Universidade, para a representação cultural e
artística da Instituição e, por fim, prestando um serviço cultural à
comunidade. Exemplo de empreendedorismo, enquanto acção inovadora que visou a
concretização de uma visão nova no seio de uma instituição universitária em Portugal,
a Orquestra de Câmara do Minho teve um comportamento proactivo, agarrando
oportunidades, antecipando a procura, revelando ainda uma postura combativa
ultrapassando contrariedades. Projecto inédito de uma orquestra de nível
profissional no contexto universitário português, reclamando o seu valor numa
actuação ampla e transversal nos domínios da Educação e Cultura, a Orquestra de Câmara do Minho desenvolveu
uma intensa actividade cultural, fixando um público académico, atraindo novos
públicos, aproximando do ponto de vista da fruição cultural a comunidade
académica e a população das cidades de Braga e Guimarães.
A
orquestra iniciou a sua actividade no Grande Auditório do Parque de Exposições
de Braga, num concerto dirigido por Vítor Matos, tendo como solista o pianista
Luís Pipa, num programa dedicado às comemorações dos 250 anos do nascimento de
Wolfgang Amadeus Mozart. Apresentando-se pela primeira vez no Salão Medieval da
Reitoria no concerto comemorativo do 33º aniversário da Universidade do Minho em
2007, a orquestra foi dirigida por Pedro Carneiro que interpretou a Suite D’Aquém e D’Além Mar para marimba e orquestra da autoria do
compositor Eurico Carrapatoso.
Neste
mesmo ano, a orquestra foi convidada para colaborar no Concurso Internacional de Instrumentos de Arco “Júlio Cardona” na
Covilhã, convite que se viria a repetir nos anos seguintes, sendo dirigida pelo
jovem maestro Luís Filipe Machado, pós-graduado em Direcção de Orquestra com Distinção pela Royal Academy of Music em Londres. Luís Filipe Machado colaborou
com a Universidade do Minho noutros projectos destacando-se, pela qualidade
alcançada, o concerto em que dirigiu a Orquestra da Universidade do Minho e o
Coro de Câmara do Curso de Licenciatura, no Mosteiro de S. Martinho de Tibães,
em 2010, no âmbito do Colóquio
Internacional “Do Sagrado na Arte”, na interpretação da belíssima obra de
Eurico Carrapatoso Magnificat em Talha
Dourada para soprano, coro e orquestra, com a presença do compositor.
A Orquestra
da Universidade do Minho gerou e conferiu desde logo visibilidade e
credibilidade no seu espaço de intervenção realizando inúmeros concertos quer
integrados nas actividades culturais da Universidade, quer a convite de várias
instituições como, por exemplo, o Laboratório Ibérico Internacional de
Nanotecnologia (INL). Os seus concertos foram gravados pela Rádio e Televisão
de Portugal podendo ser ouvidos até hoje na programação da Antena 2. A sua
programação integrou com frequência obras de Música de compositores
portugueses. Como solistas realizaram concertos com a orquestra da Universidade
do Minho o violinista Ilya Grubert, o violoncelista Gary Hoffman, as sopranos
Angélica Neto e Dora Rodrigues, entre outros músicos. A orquestra interpretou
em primeira audição mundial Fantasia
Conventual de Joaquim dos Santos (compositor de música sacra do século XX) e
Romp para Piano e Orquestra da
autoria do compositor americano Daniel Kessner. Em vários concertos contou com
a colaboração do Coro da Academia de Música de Viana do Castelo, dirigido por
Vitor Lima.
O Maestro Toby Hoffman
e a Orquestra da Universidade do Minho
Iniciando um novo ciclo, a orquestra teve o
privilégio de ser dirigida pelo maestro norte-americano Toby Hoffman, músico
distinto formado na famosa Julliard School de Nova York, onde estudou viola
d’arco com Paul Doktor, apresentando-se em concerto com um instrumento
construído em 1628, em Cremona, Itália, que pertenceu à Rainha Vitória de
Inglaterra.
Toby Hoffman foi discípulo em direcção
orquestral no Conservatório de Música Sibelius na Universidade de Helsínquia,
do famoso maestro Jorma Panula, onde também viria a leccionar. A sua carreira
de maestro inclui a direcção da Moscow Symphony Orchestra, Verona Sinfonietta, Amsterdam Chamber Orchestra, entre muitas outras orquestras
espalhadas pelo mundo. Convidado pela Universidade do Minho em 2010, veio viver
para Portugal para aqui realizar um trabalho de nível artístico superior
dirigindo a orquestra da Universidade, o coro e a orquestra académica do
Departamento de Música, e leccionar no referido Departamento.
Toby Hoffman desenvolveu também uma carreira internacional
de relevo em Música de Câmara tocando com músicos consagrados como o pianista
Maurizio Pollini, ou o violinista Salvatore Accardo, Toby Hoffman foi músico
residente na Universidade de Harvard e director musical de prestigiados eventos
musicais. Recentemente participou no famoso festival anual de Música de Câmara
de Hong Kong. As suas gravações podem ser encontradas em diferentes editoras
discográficas como a CRT, Philips, Sony, Noova Era, Dynamic, Arabesque e
Teldec.
Todos
os concertos superiormente dirigidos por Toby Hoffman, foram alvo de elogiosas
críticas pelo meio musical português. Destacam-se
porém os concertos comemorativos do 36º Aniversário da Universidade do Minho em
Braga e Guimarães com a interpretação da Suite
para cordas e percussão de Jean Sibelius, da Sinfonia nº7 de Ludwig van Beethoven e do Concerto para violino e orquestra op.35 de P. I. Tchaikovsky, tendo como
solista Ilya Grubert, também docente do Departamento de Música, detentor do 1º
Prémio em Interpretação na Competição Internacional Tchaikovsky, uma das mais
prestigiadas competições no âmbito da música erudita.
A XIV Semana Internacional de Óbidos
e o Maestro Jean- Marc Burfin
Em
2009, a Orquestra da Universidade do Minho foi convidada a participar no
concerto de encerramento da XIV Semana
Internacional de Piano de Óbidos, sendo dirigida pelo maestro Jean-Marc
Burfin. O programa incluiu a interpretação da Sinfonia KV201 e o concerto
para piano e orquestra KV414 de W. A. Mozart com Manuela Gouveia ao piano,
e ainda a Serenata para cordas op.48
de P.I. Tchaikovsky. O concerto, realizado no Santuário do Senhor Jesus de
Pedra, foi editado em CD pela Associação de Cursos Internacionais de Música de
Óbidos que organiza o evento, um dos mais importantes no seu género em Portugal, reunindo grandes
personalidades do mundo da música.
O
maestro francês Jean-Marc Burfin
formou-se no Conservatório Nacional Superior de Música de Paris, onde
obteve em Junho de 1987 e por unanimidade do júri, o 1.º prémio de Direcção de
Orquestra na classe de Jean-Sébastien Béreau. Diplomado pela Academia de Verão
do Mozarteum, em Salzbourg, foi convidado para dirigir a Orquestra do M.I.T. de
Boston em 1984, ao lado de Lorin Maazel e a Orquestra de Paris, em 1987.
Jean-Marc Burfin dirigiu várias orquestras, tanto em França como no estrangeiro
e na temporada de 2003/2004 foi Director Artístico da Orquestra Metropolitana
de Lisboa. Pedagogo reconhecido é um dos raros maestros em actividade a ensinar
direcção de orquestra, sendo actualmente docente na Academia Superior de
Orquestra e Maestro Titular da Orquestra Académica Metropolitana, tendo
colaborado regularmente com o Departamento de Música até 2011.
A orquestra da Universidade do Minho
e os coros e orquestras académicas do curso de Licenciatura em Música
Com a criação do Curso de
Licenciatura em Música na Universidade do Minho no ano lectivo de 2007-2008,
foram criados no âmbito das Unidades Curriculares do curso vários conjuntos
vocais e instrumentais, nomeadamente Coro de Câmara, Orquestra de Sopros,
Orquestra de Cordas, Ensemble
Instrumentais, Coro e Orquestra Académica, campos de aprendizagem musical, experiência
e labor artístico que, de forma integrada e articulada com os três ramos do Curso,
Interpretação Musical / Instrumento e Direcção Coral e Ciências Musicais
desenvolveram inúmeros projectos artísticos.
Além dos projectos realizados no
âmbito do Curso de Licenciatura em Música, os jovens estudantes da Universidade
do Minho tiveram ainda o privilégio de poder integrar a Orquestra da
Universidade do Minho, participando nos concertos organizados no âmbito das
comemorações do aniversário da Instituição, nas várias edições do Festival de Outono, organizado pelo seu Conselho
Cultural e em concertos organizados por outras instituições e Câmaras
Municipais da região. Em estreita ligação com o Coro e Orquestra Académica do
Departamento de Música do Instituto de Letras e Ciências Humanas, a Orquestra
da Universidade do Minho realizou regularmente projectos artísticos comuns e
devidamente articulados com o Departamento de Música do ILCH, dando
oportunidade aos jovens estudantes da Licenciatura em Música de se apresentarem
com músicos profissionais e realizarem estágios de alto nível artístico
proporcionando-lhes momentos únicos de aprendizagem, sempre articulados com a verdadeira acção
pedagógica.
Entre tantos projectos realizados destaca-se
a participação da Orquestra Académica no Festival
Internacional Traseuropéennes em Rouen, no noroeste de França, em 2010 e
2011, que anualmente junta um milhar de músicos de vinte países e conta com
mais de 30 mil espectadores em cada ano. Os concertos que realizou em França e
Portugal no âmbito do Festival foram dirigidos pelo Maestro Jean-Marc Burfin e
contaram com a participação de jovens convidados de outras escolas do país e de
músicos da Orquestra da Universidade do Minho.
Em Outubro de 2009, a Orquestra
Académica, reforçada por docentes do Departamento de Música e músicos da
Orquestra da Universidade do Minho foi dirigida pelo Maestro Pedro Neves no
Concerto Comemorativo do 140º aniversário do Instituto Monsenhor Airosa. O concerto para piano e orquestra nº 27 K595
de Wolfgang Amadeus Mozart teve como solista o pianista Pedro Burmester.
Em Novembro de 2010, o Coro e
Orquestra Académica realizou um concerto na Igreja de S. Roque, em Lisboa, integrado
no Congresso Internacional Ordens e
Congregações Religiosas em Portugal. Memória, Presença e Diásporas. Neste
concerto, dedicado à música sacra em Portugal (séc. XVIII), foram solistas a
soprano Magna Ferreira e o contratenor Vitor Lima, com direcção musical do Maestro Luis Filipe Machado.
A Irmandade de Santa Cruz, a
Misericórdia de Braga, o Mosteiro de Tibães e a sua junta de Freguesia, a Igreja
de S. Lázaro e a respectiva Junta de Freguesia, as Câmaras Municipais de Ponte
de Lima, Vila Verde e Vila do Conde, bem como as várias Escolas e Institutos da
Universidade são algumas das entidades que acolheram os eventos artísticos do
Departamento de Música.
Cultura e Desenvolvimento
Artístico: um desafio para a Universidade do Minho
Segundo João Teixeira Lopes, é
frequente a cultura ser encarada não como um domínio merecedor de uma política
relativamente autónoma, mas antes como um acréscimo de legitimação do poder
político que se apresenta e representa através de mediações simbólicas de
visibilidade, espectáculo e festa. Confunde-se
política cultural com o uso instrumental de certas actividades e actores
inseridos de forma diversa no campo cultural. Persiste-se em programações com
espectacularidade efémera, em acções intermitentes e privilegia-se a ostentação,
sem desenvolvimento da sensibilidade artística e predisposição cultural.
Para evitar tal situação, importa
obedecer a regras claras, prioridades e critérios bem definidos. Maria de
Lourdes Santos referiu, em 2007, quatro exigências com que se confrontavam as
políticas culturais em Portugal e que, no nosso entender, são também os
princípios que devem orientar o eixo Arte, Educação e Cultura na Universidade
do Minho: exigências de qualificação para os agentes culturais e artísticos;
exigências de participação cultural para a população académica e população em geral;
exigências de internacionalização envolvendo projectos, bens e serviços
culturais; exigências de sustentabilidade para os projectos que revelem mais e
melhor actividade cultural.
E sendo a cultura, como afirma Ana Gabriela
Macedo, Presidente do Conselho Cultural da Universidade do Minho, um estado dinâmico
que deve inquietar e desassossegar permanentemente, cabe à Universidade liderar
uma efectiva cooperação cultural intra e extra-muros desempenhando um papel fulcral
no desenvolvimento dos mundos da Cultura.
Que a Arte (a Música) seja uma
realidade na Universidade do Minho, tal como a descreve Susanne Langer: “o
nosso mito de vida interior”»
Bibliografia citada:
Branco, João de Freitas
(…) Lisboa: Associação Portuguesa de Educação Musical.
Damásio, António (2010) O Livro da Consciência. Lisboa: Círculo
de Leitores.
Kundera, Milan (1988) A Arte do Romance. Lisboa: D. Quixote.
Letria, José Jorge (2000)
Pela Cultura. A experiência de Cascais e
outras reflexões. Lisboa: Hugin.
Macedo, Ana Gabriela
(2011) “De que falamos, quando falamos de Cultura?”Forum. Universidade do Minho: Conselho Cultural.
Santos, Maria de Lourdes
Lima dos (2007) Políticas Culturais em
Portugal. www.oac.pt.
Teixeira Lopes, João
(2003) Escola, território e políticas
culturais. Porto. Campo das Letras.
Vieira, Joaquim (1992)
“C.Q.R. no Ensino Artístico (ou quem tem medo da diferenciação)”. Ensino Artístico. Porto: Edições Asa.
* Por escolha da autora, este texto não
segue o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
[Elisa Maria Maia da Silva Lessa é Professora Associada do Instituto
de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho e responsável científica
da área de Ciências Musicais. Co-autora da proposta de criação do Curso de
Licenciatura em Música em 2006, exerceu os cargos de Directora do Curso e do
Departamento de Música até 2011. No exercício das suas funções criou o Coro de
Câmara, a Orquestra de Sopros, a Orquestra de Cordas, os Ensemble Instrumentais e o Coro e Orquestra Académica do
Departamento de Música. Foi igualmente fundadora e Directora Artística da
Orquestra da Universidade do Minho entre 2006-2011. Actualmente é membro da
direcção da Casa Museu de Monção, Unidade Cultural da Universidade do Minho.]
(reprodução de artigo publicado nesta data no Diário do Minho)