«A instituição universitária deve continuar a assumir, sem quaisquer tréguas, o papel de guardiã esforçada dos portões de um saber universal.
“Parece muito evidente ser um erro entender a transformação histórica de institutos politécnicos em universidades, como se de uma promoção se tratasse” (Adriano Moreira, Seminário “Reflexos da Declaração de Bolonha”, 12/11/2004).
Nos dias de hoje, assiste-se a uma campanha orquestrada pelos politécnicos de Coimbra, Lisboa e Porto que tenta pôr em causa o sistema dual de ensino superior por os seus dirigentes, em vez de dignificarem o estatuto de ensino politécnico que representam, procurarem veredas esconsas que o conduzam a estatuto universitário.
Em década anterior, Rui Antunes, ao tempo vice-presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, vestindo a beca de defensor oficioso dos dinheiros públicos, argumentava que “a Universidade faz o mesmo que o Politécnico, embora este último com bem menores meios financeiros” (Diário de Coimbra, 10/01/2005).
Deste jeito, eram tecidas críticas a uma política em que se gastava mais para ter o mesmo. A ser correcta esta análise económica, o Tribunal de Contas teria, pela certa, chamado a atenção, ou mesmo emendado a mão, dos perdulários responsáveis por um ruinoso statu quo de esbanjamento dos cofres do Estado, ainda que mesmo época de vacas gordas. Quanto mais em época de vacas magras!
Recentemente, Joaquim Mourato, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, declarou que a estratégia do órgão tutelar a que preside “tem sido no sentido de aprofundamento da diferenciação de missões”. Em total discordância, Rui Antunes, quiçá, procurando retirar os institutos politécnicos do anátema do nome da pia baptismal, em crisma purificadora que lhes dê o nome de universidade, fez-se doutrinador do sistema de ensino superior das margens do Mondego, propondo atribuir à actual Universidade de Coimbra uma “vocação internacional” e a uma futura universidade, resultante do Instituto Politécnico de Coimbra, “ uma vocação mais regional”.
E o que diz a universidade a tudo isto?
O presidente de Reitores das Universidades Portuguesas, António Cunha, não se exime em declarar: “Temos sempre defendido um aprofundamento do sistema binário e uma maior diferenciação entre os sistemas” [universitário e politécnico].
Entrementes, com destaque de título a página inteira, era noticiada a posição do Ministério da Educação e Ciência: ”MEC recusa acabar com distinção entre universidades e politécnicos” (PÚBLICO, 08/07/2015).
Apesar desta tomada de posição em esferas governamentais, tomando em linha de conta a confusão constante estabelecida entre democratização e mediocratização do ensino superior, a instituição universitária deve continuar a assumir, sem quaisquer tréguas, o papel de guardiã esforçada dos portões de um saber universal, em contexto de elevada qualidade e numa tradição multissecular.
Devia ser assim, mas nem sempre assim tem sido! A realidade é bem outra: uns tantos licenciados universitários na docência politécnica, em apostasia à sua formação académica, mostram-se estrénuos defensores ou simplesmente solidários com a intenção em transformar o ensino superior politécnico em ensino universitário.
Porque, como li algures, não fazer é deixar que outros façam por nós, este statu quo pede a vigilância constante e atenta da corporação universitária em defesa da clarificação dos objectivos dos dois subsistemas do ensino superior, hoje, deficientemente definidos em articulados legais sujeitos a variadas interpretações no que respeita às finalidades de ambos. Situação esta que me traz à lembrança um texto do escritor Bio Barojo em que um ministro espanhol dirigia a seguinte advertência ao seu secretário: “Senhor Rodriguez, veja lá se a lei está redigida com a necessária confusão!”
E porque, na vox populi, ”a esperança é a última a morrer”, tenho esperança que, retirando a venda dos olhos, a Justiça, através do governo a sair das próximas eleições legislativas, atribua à universidade o que é da universidade e ao politécnico o que é do politécnico, não permitindo, consequentemente, qualquer tipo de ceifa do politécnico em seara universitária. Ou seja, como estipulava o princípio de Eneo Ulpiano, jurista da Roma Antiga: “Suum cuique tribuere” (Dar a cada um o que lhe pertence)!»
Rui J. Baptista
Ex-docente do ensino secundário e universitário e co-autor do blogue De Rerum Natura
(reprodução de artigo de opinião Público online de 29/07/2015)
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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