segunda-feira, 9 de maio de 2011

A UMinho fundação? "A passagem da UM a Fundação uma decisão no escuro?"

«Estimados/as colegas, trabalhadores funcionários/as e alunos/as:
Perante a relevante questão em torno da proposta da passagem da UM ao regime fundacional, vimos, no seguimento de outros textos e petições, dar a conhecer este pequeno texto para ser ponderado pelos membros do Conselho Geral da Universidade.

Saudações colegiais
Manuel Carlos Silva
Manuel Sarmento

A passagem da UM a Fundação: uma decisão no escuro?

A configuração legal do RJIES, em nome duma retórica de eficiência e transparência, comportou uma diminuição no exercício da democracia no quadro de instituições do ensino superior, já elas próprias hierarquizadas e verticais. Mas detenhamo-nos na possibilidade legal de passagem das Universidades a Fundações Públicas de Direito Privado, um imbróglio jurídico, que, apesar das leituras e até profissões de fé sobre a sua inabalável natureza pública por parte dos seus mentores, pode abrir a porta a uma futura privatização da Universidade.

Em 2010 o Reitor da Universidade do Minho (UM) apresentou, em sede de Conselho Geral, a proposta de a UM passar a regime fundacional. Ora, tal proposta pode ser colocada e debatida no Conselho Geral (CG) e na Academia. Porém, salvo para arautos de retórica político-ideológica de teor juridicista em torno do alegado interesse público (definido por quem?), a decisão relativa à mesma já é mais discutível simplesmente porque nos programas de mandato das listas ao CG e no programa para eleição do Reitor essa questão em termos de decisão não foi colocada. A única e possível maneira de sanar esta inconformidade na criação de um regime fundacional na UM seria, no mínimo, consultar todos os membros dos diversos corpos da Academia: docentes-investigadores, funcionários/as e alunos/as. Quem tem medo de sujeitar a proposta a um referendo? Não obstante ser positiva a abertura e a organização de debates em torno da proposta, estes acabam por ser inócuos na medida em que desembocam no vazio político, não tendo os membros da Academia voto sobre a matéria nem no presente nem no futuro. Se os defensores da proposta estão tão convictos da bondade e dos argumentos em favor da mesma, porquê esta atitude defensiva e de recusa da auscultação? Como se explica a pressa na finalização dos debates com ilustres personalidades e agora se passa à votação em sede de Conselho Geral mais ainda num contexto de incerteza e crise no país? Se há algum estudo de fundamentação da proposta, não seria legítimo ter acesso ao documento e ser sujeito ao princípio do contraditório?

O argumento principal consiste em sustentar que a elevada rigidez de gestão constitui um obstáculo à prossecução dos objectivos da Universidade no pressuposto que a gestão privada seria mais eficiente. De facto, perante a rigidez administrativa da gestão pública para as Universidades, a primeira pergunta óbvia, para além duma crítica aos responsáveis governamentais, poderia ser: porquê o Conselho de Reitores, aliando-se eventualmente a forças académicas, sindicais e outras, não tem reivindicado com maior acutilância um modelo mais flexível de gestão?

Não pomos obviamente em dúvida as boas intenções dos proponentes da passagem da UM a regime fundacional como o ‘melhor caminho’, artifício ou via pragmática para contornar certas dificuldades de gestão face à tutela. Porém, independentemente das boas intenções, não será esta uma decisão no escuro? Até que ponto estarão os defensores da proposta cientes e conscientes das suas implicações futuras? Não esconde o acrítico pragmatismo uma velha filosofia (e ideologia) cada vez mais imbricada com a perspectiva neoliberal dominante?

Não só o Reitor e os Presidentes das Escolas e demais órgãos como o próprio Conselho Geral têm neste momento histórico da UM o dever de auscultar os seus próprios eleitores. É imperativo não permitir que, ou por cumplicidades políticas ou por voluntarismo ingénuo, se abram as portas a um processo incontrolável, designadamente no sombrio panorama do país em termos económicos, financeiros e políticos. Mesmo que o resultado da consulta não seja vinculativo, seria pelo menos curial auscultar a vontade dos membros da academia – um requisito fundamental perante esta questão crucial no presente e no futuro da UM.

Se há forças internas e externas a pugnar pelo regime fundacional, outras há que estão a travar esta proposta noutras universidades de referência no país e, em processos semelhantes, noutros países. Se esta questão é relevante para todas as áreas do saber, ela é ainda mais premente relativamente às áreas das Letras, Humanidades, Ciências Sociais e Educação consideradas dispensáveis por certas visões míopes e tecnocráticas ou por lógicas de mercado e negócio. Em que medida Curadores não eleitos serão garantia do interesse público? E estarão imunes a outros interesses (governamentais, mercantilistas), como pode acontecer pela composição de Conselhos de Curadores de Fundações já existentes noutras universidades?

Se a proposta da passagem a fundação for eventualmente aprovada, os novos contratos de funcionários no futuro sê-lo-ão num regime laboral mais precário e provavelmente com salários mais baixos. Por seu turno, a contratação de jovens docentes e a entrada de mais docentes ‘convidados’ irá funcionar como forma de institucionalização da precariedade, de pressão e diferenciação sobre os alegadamente ‘estabelecidos’. Por isso, este pequeno texto é, no seguimento de outras reflexões e petições (a ser consideradas pelo CG e não condicionadas pelo Presidente do CG), mais um apelo ao Conselho Geral para ponderar sobre as consequências de uma tal decisão, uma forma de protesto contra a desresponsabilização do Estado no financiamento do Ensino Público com a subsequente entrega do património da UM a uma Fundação Pública de Direito Privado e, por fim mas não menos importante, um acto em prol da defesa da liberdade académica que não se coaduna com regimes de precariedade e de medo. Passemos de lamúrias informais em privado e assumamos os nossos posicionamentos no espaço público, para que mais tarde não nos arrependamos de termos sido iludidos e ficado adormecidos, anestesiados. Se e quando aprovada esta generosa proposta da UM, será o Estado a agradecer. Mas terá ela o entusiasmo dos seus docentes-investigadores, funcionários e estudantes? Não haverá um outro caminho para solidificar o projecto da UM como instituição de referência nacional e internacional?

Braga, 6 de Maio de 2011

Manuel Carlos Silva
Manuel Sarmento»

(reprodução integral do corpo principal de mensagem, com a origem identificada, distribuída universalmente na rede da UMinho, que nos caiu entretanto na caixa de correio electrónico)

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