domingo, 8 de julho de 2012

Propinas no ensino superior e conjuntura económica

Conforme consta da nota informativa entretanto divulgada pelo Conselho Geral (CG) da Universidade do Minho (UMinho), este órgão decidiu na sua reunião de 21 de Maio pp. adiar para 16 de Julho pf. uma decisão sobre o valor das propinas a cobrar no ano lectivo 2012/2013 nos seus cursos de 1º Ciclo e Mestrados Integrados. Curiosamente, fê-lo pouco depois de o Senado (órgão consultivo do Reitor) ter aprovado com apenas 3 votos contra (2 alunos e 1 professor) a proposta de aumento que lhe havia sido submetida pelo reitor.
Das tomadas de posição sobre o assunto que vão chegando de várias instituições de ensino superior, percebe-se que a matéria é complexa e suscita embaraços a quem é claramente a favor do aumento das propinas, mesmo que o montante do aumento que esteja em causa não seja grande. No caso da UMinho o valor do aumento proposto era de aproximadamente 38 euros, o que fixava as propinas no montante máximo legalmente permitido.
Importa, a propósito, que não se deduza que na deliberação tomada na reunião tenha pesado significativamente o expectável voto negativo dos representantes dos estudantes. Não foi esse o caso, tanto mais que o histórico da votação dos estudantes nesse dossiê é o da persistência de votos contrários aos aumentos de propinas, mesmo que noutros dossiês tão ou mais gravosos para os estudantes (e sobretudo para a qualidade do ensino ministrado e a boa gestão da organização) se disponham recorrentemente a secundar as posições de quem, em sede do órgão, se limita a dizer “ámen” a tudo quanto vem do reitor. Pese isso, conforme escrevi na sequência da reunião, “surpresa foi a qualidade do discurso veiculado pelos mesmos, que não custava subscrever”. Para fundamentar a posição que aí mantive, mais escrevi “que a matéria merecia (merece) reflexão, nomeadamente em expressão da conjuntura socioeconómica e política” vividas pelo país.
Fazendo um breve apanhado das notícias que ultimamente têm chegado sobre o que se vai passando a este respeito noutras instituições de ensino superior, registem-se os casos seguintes:
i)        contra a posição do reitor, o Conselho Geral da Universidade do Porto decidiu há poucos dias não proceder ao aumento das propinas dos seus cursos de 1º ciclo;
ii)      posição no mesmo sentido foi tomada pelo Conselho Geral da Universidade do Açores, adiantando o presidente do órgão à comunicação social o que "Verificou-se uma absoluta unanimidade do Conselho Geral no sentido de não haver aumento de propinas"; para Ricardo Madruga da Costa, “a atual situação económica de muitas famílias ´não aconselha, de forma nenhuma, que haja aumento de propinas`, apesar de reconhecer a necessidade que as instituições de ensino superior têm de arranjar mais receitas.” (Açoriano Oriental, 2012/05/23);
iii)    por deliberação do Conselho Geral do IPCA, de 20 de Abril, foi igualmente decido que não seriam aumentadas as propinas de licenciatura no próximo ano letivo, fixadas em 780 euros, "apesar da redução das transferências do Estado" para o IPCA. Esta decisão foi justificada "pela crise económica que o país atravessa, tendo em conta, designadamente, o aumento do desemprego, as reduções dos rendimentos familiares e o consequente crescimento do número de desistências por parte dos estudantes, bem como dos pedidos de adiamento do pagamento das prestações de propinas";
iv)    em sentido diferente deliberou o CG da Universidade de Évora, publicamente justificado pelo seu reitor com as afirmações de “que ‘não se trata de um aumento` das propinas, mas sim da ´actualização anual, de acordo com o Índice de Preços no Consumidor, como está previsto na lei`. ´Em vez de aplicarmos este aumento noutras actividades, vamos aplicá-lo num fundo para apoiar alunos em dificuldades financeiras`, tal como o CRUP tinha recomendado às instituições de ensino superior” (Público, 2012/05/08).
A invocação destas situações pretende sublinhar a delicadeza do tema, mas serve também para, por um lado, pôr em evidência a forma diferenciada como se pode actuar num quadro de fundo rigorosamente igual, e, por outro lado, para trazer para primeiro plano os argumentos por detrás da controvérsia. A essa luz, é especialmente simbólico que o IPCA tenha decidido criar um fundo de apoio aos estudantes a enfrentar maiores dificuldades económicas, apesar de ter decidido manter o valor das propinas, enquanto que o aumento desse valor é a razão invocada pelo reitor da Universidade de Évora para as aumentar, seguindo o que “o CRUP tinha recomendado”.
Esta matéria (constituição de um fundo social de apoio aos alunos mais carenciados) foi talvez a dimensão mais controversa presente no debate que sobre o tema se manteve na reunião do CG da UMinho, tendo relevado daí, em grande medida, a consistência da posição defendida pelos estudantes, pela boca de Luís Rodrigues. Esse tópico apareceu igualmente destacado nas declarações produzidas para o Correio do Minho (edição de 2012/05/23) por Hélder Castro, actual presidente da Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM). Disse este que, “nesta altura, ´não é possível de todo um aumento de propinas, independentemente da sua finalidade`”. Mais terá sublinhado “que a AAUM manterá, em Julho, a sua posição contra o aumento das propinas, já que, até lá, as condições socioeconómicas dos estudantes não se alterarão.”
Na verdade, esta história do “fundo de apoio aos estudantes carenciados” tem que se lhe diga. Em primeiro lugar, porque a invocação da necessidade da sua criação torna patente a crescente demissão do Estado de, através dos mecanismos instituídos de acção social, atender às dificuldades vividas pelos estudantes provenientes de famílias de menores rendimentos. Por outro lado, a respectiva criação configuraria/configura, de algum modo, a substituição do Estado nessa componente de promoção do acesso ao ensino “universal” dos jovens portugueses pelas instituições de ensino superior e, logo, pelas famílias, legitimando porventura uma ainda maior retirado do Estado da obrigação constitucional de promover a qualificação dos portugueses e o seu bem-estar, independentemente das suas origens sociais.
Obviamente, há outras dimensões por detrás deste debate, a começar pela problemática da comparticipação dos beneficiários imediatos nas despesas dos serviços de que tiram proveito econónmico, com suporte na teoria do investimento em capital humano e mantendo presente que esses benefícios tem uma componente de retorno que é estritamente privada, isto é, de ganho do individuo que usufrui do investimento (público). Outra dimensão possível de abordagem prende-se com a circunstância de as famílias estarem a ser duramente castigadas pelo Estado em matéria de rendimentos (via aumento de impostos e redução directa de salários), não sendo por isso um aumento do encargo com as propinas um pequeno acréscimo de esforço que se lhes pede mas, antes, um esforço a somar a muitos outros, que as estão a levar à exaustão. Isto releva porque, no quadro actual massificado de acesso ao ensino, não é legitimo afirmar que o encargo adicional que está em causa recairá sobre os mais favorecidos, e portanto se configura uma medida redistributiva do rendimento. Também há questões sobre a relação entre as Instituições e a sua envolvente e, logo, que relevam da dimensão responsabilidade de social daquelas para com a comunidade onde estão inseridas, e que é suposto servirem de forma mais imediata, que importa não desconsiderar.
De forma breve, tudo isso informou o debate sobre fixação de propinas se realizou na reunião do Conselho da Universidade do Minho de 2ª feira pp., sendo de louvar que, como primeiro passo, o reitor tenha acabado por retirar a proposta que havia submetido. Se isso não garante que o bom senso venha a prevalecer na reunião planeada para 16 de Julho, mostra, pelo menos, que a expressão (ainda) maioritária do Conselho não ficou cega, surda e muda perante este dossiê económica e politicamente sensível.  

J. Cadima Ribeiro

(artigo de opinião publicado em ComUM “online”, em 2012/05/27)

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