quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

"Relações universidade-empresa: um contributo para o futuro"

«Portugal é um dos países do mundo que mais progrediu nas últimas décadas na área da produção do conhecimento científico.

Por outro lado muitos dos centros de investigação que se encontram localizados nas universidades portuguesas têm hoje relações de proximidade e intercâmbio com outros centros espalhados pelo mundo e estão inseridos em redes que procuram dinamizar e acelerar a produção de ciência ao mais alto nível.
Temos, no entanto, que reconhecer que em Portugal o conhecimento científico que vem sendo produzido pelos nossos investigadores não tem sido devidamente transferido para o tecido económico como seria desejável.
A relação entre os académicos que se encontram nas universidades e nos centros de investigação e os responsáveis que, ao nível da gestão e das tecnologias, estão inseridos nas empresas e de uma forma geral nas organizações do mundo da economia, não é ainda aquela que poderá lançar nos mercados nacionais e internacionais produtos e serviços assentes na inovação e em novos conhecimentos e novas tecnologias.
Significa isto que o tema da relação Universidade/Empresas é uma área em que há seguramente muito trabalho a fazer, designadamente na dinamização de um diálogo permanente entre académicos e técnicos das empresas, tendo em vista a identificação dos problemas concretos que estas enfrentam e para a resolução dos quais os investigadores podem (devem?) ser chamados a colaborar.
Nesta perspetiva há que ser muito realista. O relacionamento entre os universitários/investigadores e as empresas não deve ser iniciado com a celebração de protocolos que podem ter algum impacto mediático mas que, na prática, não se traduzem por quaisquer resultados concretos.
O diálogo entre quem se encontra nas universidades e quem tem responsabilidades nas empresas deve ser estabelecido em termos informais e ser dirigido para o concreto, ou seja, para a resolução de problemas existentes ou para a adaptação à empresa de novos conhecimentos que vão sendo desenvolvidos no laboratório e na investigação.
Só o "conhecimento cruzado" do que ocorre na empresa e no centro de pesquisa permitirá ao mundo da economia transformar e aperfeiçoar os processos de gestão e de produção em curso ou a introdução de novos produtos e novas tecnologias por parte das empresas.
Existem já hoje em Portugal alguns setores em que este diálogo e esta interação entre universidades e empresas vem ocorrendo com benefícios mútuos e com resultados muito positivos. Os setores do calçado, do agro-alimentar, da vitivinicultura, dos têxteis ou dos produtos farmacêuticos são bons exemplos do que pode ser o papel das universidades e centros de investigação no aperfeiçoamento das tecnologias, na otimização dos processos de fabrico e na introdução de novos produtos em setores tradicionais ou em áreas de produção que exigem conhecimento muito sofisticado como é o caso da produção de medicamentos.
Neste contexto, importa no entanto identificar alguns dos constrangimentos que limitam e, por vezes, impedem este diálogo saudável entre universidades e empresas.
Um primeiro fator negativo tem a ver com a ideia, por parte de alguns académicos, de que o trabalho desenvolvido nas empresas não tem um nível de exigência compatível com o nível científico com que se trabalha no meio académico.
O segundo fator está relacionado com a falta de interlocutores por parte de muitas empresas e pelo receio que estas têm de enfrentar os académicos e os investigadores expondo-lhes os seus problemas e as suas expectativas.
Trata-se de dois constrangimentos sérios mas que têm que ser encarados e ultrapassados através da construção do diálogo e das "pontes" que todos têm a obrigação de construir e consolidar. Nesta perspetiva, as organizações empresariais (nacionais ou regionais), os empresários mais esclarecidos, os responsáveis pelas universidades, as Comissões Coordenadoras de Desenvolvimento Regional, os académicos e os investigadores, bem como todos aqueles que podem desempenhar um papel relevante na dinamização da relação Universidade/Empresa, devem atribuir a esta questão uma alta prioridade.
Neste sentido, deverão procurar criar as condições para que uns e outros, nas universidades e nas empresas, se empenhem no cruzamento de informação, na troca de experiências, no estabelecimento de parcerias em torno de problemas previamente identificados e, finalmente, na construção de um relacionamento que permita obter na economia os resultados da aplicação dos conhecimentos gerados na área da investigação.
Não podemos continuar a olhar para as estatísticas e ver que temos feito grandes progressos na produção de conhecimento traduzido na publicação de "papers" científicos e, ao mesmo tempo, verificar que na área do registo de patentes e na aplicação de novos conhecimentos e novas técnicas ao nível das empresas continuamos muito atrás dos países mais desenvolvidos.
Haverá certamente muitas medidas a tomar em termos de políticas públicas, designadamente na possibilidade de continuar a incentivar a colocação de doutorados nas empresas (Portugal tem apenas 3% dos seus doutorados fora das universidades, quando nos países mais desenvolvidos esse número é da ordem dos 30%).
Mas esta é uma questão que passa sobretudo pela prioridade que empresários e académicos possam atribuir a este tema da relação Universidade/Empresa.
Tenho esperança que, nos próximos anos, esta matéria possa figurar como uma das áreas de intervenção da Futurália o que poderá constituir um grande contributo para a modernização e desenvolvimento da economia portuguesa.»

EDUARDO MARÇAL GRILO 
Presidente do Conselho Estratégico da Futurália

(reprodução de artigo PÚBLICO online, 03/02/2016)

[cortesia de  Soares da Silva]

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