«No último Expresso da Meia Noite, Pedro Gonçalves, o Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade, deixou bem claro o que pensa o Governo e a atual maioria sobre política de ciência. Neste caso, como em tudo, a maioria parece guiar-se pelas seguintes máximas: o melhor avaliador é o mercado; é preciso que o Estado saia da frente para que os privados invistam. Dificilmente encontramos uma área onde isto seja mais falso e mais pernicioso do que na ciência.
Quando Maria de Lurdes Rodrigues e Elvira Fortunato confrontaram Pedro Gonçalves com o estrangulamento financeiro das universidades e dos centros de investigação, o Secretário de Estado respondeu dizendo que Governo apostava tudo na ligação do conhecimento ao mercado e às empresas, ou melhor, que o Governo apostava tudo na tese de que, recuando o Estado, a ligação entre universidades e empresas pudesse sair reforçada. E deu como exemplo o protocolo entre a Bosch e a Universidade do Minho. Esse protocolo é muito importante, mas não pode funcionar como modelo de financiamento para o sistema cientifico nacional. O protocolo só existe porque o Estado, e não a Bosch, investiu e investe na Universidade do Minho. Para que as universidades possam ter valor para os privados, não podem ser estes os seus principais financiadores. A Bosch não quer fundar, financiar e assegurar a existência da Universidade do Minho, quer recorrer aos seus serviços e quer que estes sejam de excelência.
Se a produção de conhecimento for determinada por estratégias comerciais e mercantis das empresas, perde a produção de conhecimento e perdem as empresas. Porque não é assim que o conhecimento é produzido, nem pode ser assim que as universidades funcionam. E as empresas, ao contrário do Secretário de Estado da Inovação, Investimento e Competitividade, sabem isto: não consta que as empresas que mais investem em inovação, como a Bosch, defendam que a melhor maneira de aproximar as universidades das empresas passe por desinvestimento público nas universidades, nos centros tecnológicos e nos laboratórios do Estado. Só pode haver conhecimento aplicável se antes houver conhecimento.
Pedro Gonçalves, que vem do setor financeiro, olha para as universidades como se estas fossem start-ups que devem atrair financiamento de investidores privados. Só através do recuo do Estado, que obriga as universidades a sair da sua zona de conforto em procura de financiamento alternativo, podemos verdadeiramente saber que parte do sistema cientifico nacional tem qualidade e merece sobreviver. O modelo de financiamento da ciência e da inovação que o Secretário de Estado tem em mente parece ser uma versão do Shark Tank.»
(reprodução de artigo Expresso online, de 18.05.2015)
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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