quarta-feira, 4 de março de 2015

"Quantidade e qualidade: o novo debate no ensino superior público"

«Não deve ser esquecido que as universidades são lugares de criação e de inovação onde a gestão só pode ser um instrumento.

É sobejamente conhecido, mas não é de mais repetir, que nos últimos anos têm sido solicitadas às universidades muitas e profundas alterações. A conformação à Declaração de Bolonha veio provocar um impacto considerável na organização do ensino e da oferta formativa. Também os propósitos da investigação, os estilos de gestão e os padrões de financiamento sofreram profundas alterações.
As reformas suscitaram uma universidade empreendedora onde se desenvolve uma ciência orientada para o mercado. Tal conflui numa necessidade de articulação da universidade e da ciência com a sociedade em geral, numa lógica de funcionamento mais competitivo que reclama da universidade a imaginação na captação de clientelas e fontes de financiamento e a reinvenção de novas modalidades de produção de conhecimento e de formação menos orientadas pela tradicional cartografia epistemológica dos saberes e mais vocacionada para as necessidades sociais e a emancipação dos indivíduos.
Esta situação acrescentou às funções nucleares universitárias - formação e investigação - uma terceira missão: a de contribuir efetivamente para o desenvolvimento económico e social.
O discurso universitário, que há bem pouco tempo se baseava na qualidade científica e na liberdade académica, passou a ser substituído pelo da gestão e da eficiência.
Mas a responsabilização que nos tem sido atribuída sem a correspondente autonomia, e a exigência sem financiamento e flexibilização dos instrumentos administrativos e financeiros são uma situação com que temos convivido com muita dificuldade. Não deve ser esquecido que as universidades são lugares de criação e de inovação onde a gestão só pode ser um instrumento. As medidas de gestão para responder ao colapso financeiro não podem subverter a nossa missão. A realidade aflige-nos. Depois do tanto que já fizemos para cortar na despesa é difícil concretizar medidas que não coloquem em causa a qualidade da formação e do apoio à comunidade que prestamos.
Não esquecemos que num momento de crise financeira impõe-se, ainda com maior pertinência, uma gestão rigorosa e transparente.  Mas esta deveria também ser mobilizadora e premiar a boa gestão. Tal não tem estado claramente a acontecer.
Em Portugal, o Governo prepara-se para adotar um novo modelo de financiamento do ensino superior, tendo divulgado um documento de mais de 100 páginas para explicar a fórmula que pretende adotar. Trata-se de um documento tecnicamente consistente, mas que consubstancia políticas em nosso entender injustas. Em primeiro lugar porque continua na prática a reduzir a “dimensão de serviço que é prestado” ao número de estudantes. Não só é injusto reduzir esta apreciação ao número de estudantes como, ainda para mais, são excluídos os estudantes de doutoramento desta contabilidade. A capacidade de realizar um ensino apoiado na investigação, de responder aos desafios societais através de programas de apoio à comunidade de excelência e de formar doutores fica de fora dos fatores que afetam positivamente os resultados da fórmula de financiamento. Mais, pretende-se que as “grandes universidades” reduzam o número de estudantes para se “centrarem na qualidade”, como se houvesse em Portugal uma relação inversa entre o número de estudantes e a qualidade da formação que nelas é oferecida.
Neste previsível contexto a FMH (Faculdade de Motricidade Humana) irá reduzir ainda mais a verba que lhe é transferida pelo Orçamento do Estado que já hoje chega apenas para fazer face a 70% dos encargos com os seus trabalhadores, tendo a faculdade de encontrar, através das receitas próprias, forma de fazer face aos restantes 30% dos encargos com pessoal e a todas as outras despesas — água, eletricidade, comunicações, manutenção dos edifícios, etc., etc. Esta situação leva-nos a realizar todas as tentativas para procurar recurso financeiros recorrendo, entre muitas outras formas, ao mecenato. Foi neste contexto que acabámos de lançar, ao comemorar os 75 anos, uma iniciativa que designámos por "Parede da Fama", que pretende constituir um reconhecimento a todos os antigos alunos que contribuíram de forma mais saliente para a excelência do percurso da faculdade e, também, para reconhecer todos os que quiserem efetuar um donativo com o intuito de tornar possível a construção do novo edifício de pós-graduações.»

JOSÉ ALVES DINIZ 
Presidente da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa

(reprodução de artigo de opinião Público online, de 04/03/2015)

[cortesia de Nuno Soares da Silva]

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