«O ministro Nuno Crato apresentou uma nova fórmula de financiamento das universidades que mantém tudo na mesma e não premeia a excelência, afirma Cruz Serra.
António Cruz Serra é o reitor da Universidade de Lisboa, uma das maiores da Península Ibérica, com um orçamento de 340 milhões de euros. Crítico da nova proposta de financiamento das universidades, Cruz Serra afirma ao Diário Económico e Antena 1 que o Governo deve aproveitar a oportunidade para premiar o desempenho das universidades. Epede ao próximo Governo um ministro do Ensino Superior.
Como avalia a proposta de mudança do financiamento das universidades?
Precisa de muito trabalho. É uma proposta que resultou de trabalho prolongado. Não foi feita em cima do joelho [mas] é uma proposta que não premeia a excelência no ensino superior.
Não? Quando faz depender o financiamento de mais trabalho científico, mais investigação?
Isso é só na parte do texto em português. Quando se chega à fórmula de distribuição do orçamento, aquilo que se faz é fazer a multiplicação de factores de custo por área científica pelo número de alunos e, depois, aplicar um factor que premeia as zonas com mais problemas demográficos. Por detrás da proposta estão intenções de manter o sistema numa situação de financiamento muito próxima da actual e não concordo que seja feito isso. Deixe fazer um pouquinho de história... O que acontece é que temos uma fórmula de financiamento aprovada e em vigor há muitos anos. Lamentavelmente, há uns dez anos que não há a aplicação da fórmula.
Portanto, pré-crise?
É um pouco antes da crise, porque as universidades têm estado em stress do ponto de vista orçamental ainda antes da crise ter começado. Começámos a ter uma descida significativa do orçamento das universidades em 2006 e desde aí até hoje perdemos 50% do financiamento público e não nos devemos esquecer que 23% de descontos para a Caixa Geral de Aposentações são uma despesa obrigatória criada a partir dessa altura.
Se calhar também nos diz que as universidades tinham um financiamento excessivo face à sua realidade?
Não imagino que o Diário Económico com o orçamento de há dez anos estivesse cá. Seguramente, fizemos um trabalho de ajustamento e temos uma gestão muito mais eficiente do que tínhamos. Mas também tivemos uma degradação das condições de trabalho. A fórmula de financiamento não é aplicada há quase dez anos e, se a aplicássemos hoje, teríamos uma distorção significativa relativamente àquilo que é o orçamento real de 2015 ou de 2014. Aquilo que se tentou fazer com a nova fórmula de financiamento foi manter um bocadinho o ‘status quo', ou seja, a situação de financiamento actual. As instituições mais frágeis são as universidades do interior e são muitos dos politécnicos, especialmente o Interior. Por trás da fórmula estão escolhas e factores que têm como objectivo mantê-las activas e não as colocar em grande dificuldade.
Mas não é isso que quer?
É necessário encontrar uma dotação para as instituições mais frágeis, para promover a existência de locais onde há ensino superior que é de grande importância para o desenvolvimento regional e financiar essas instituições, pelo menos com uma parte do financiamento separadamente.
Está a falar dos politécnicos?
Estou a falar de politécnicos, mas também das universidades do Interior, que têm uma capacidade de captação de alunos muito inferior às universidades do Litoral, não só porque os alunos não vivem lá, mas também porque o prestígio das grandes universidades é muito maior. Sendo verdade que muitos dos locais em que há ensino superior no Interior do país e nas Ilhas são muito importantes para o desenvolvimento regional, deveríamos ter um bolo, que não é significativo face ao conjunto do ensino superior, uma dotação que seriam 30 milhões ou 40 milhões, não sei, para promover a existência e a continuação do trabalho dessas universidades e politécnicos, com regras claras. Com esta proposta de financiamento, essas instituições vão morrer devagarinho. Não precisamos de ter uma situação em que de forma artificial se mantém o status quo ou se nivela por baixo.
Qual é a sua fórmula então?
Eu digo ao Governo, não preciso dizer para as câmaras. Não me queixo do resultado da fórmula. Para que fique claro, a Universidade de Lisboa ficará com um financiamento praticamente igual ao actual se for aplicada a fórmula de financiamento. Mas quando aplico internamente os factores de custo que resultam da fórmula de financiamento pelas várias áreas de saber, tenho variações brutais dos orçamentos das faculdades que não são explicáveis. Não posso ter uma formula de financiamento em que das 17 escolas da Universidade de Lisboa, não há nenhuma que varie menos que entre mais ou menos 5%. Tenho quatro escolas que variam entre mais ou menos 10%. E as outras três escolas variam acima de 10% de financiamento. Mas tenho uma escola que varia 77%.
Não disse se a subir se a descer.
Mas essa de 77%?
Uns sobem, outros descem. Essa é a subir por acaso. Mas tenho outra que varia 75%, outra 66%, 52%, 36%, 30%. Estão a mexer em demasiados parâmetros ao mesmo tempo. Uma fórmula de financiamento tem que ser o momento em que o Governo indica um caminho, indica aquilo que quer para o ensino superior. É possível alterar a proposta que foi feita, conseguindo resolver as incoerências e conseguindo premiar o desempenho das universidades. Precisamos de ter universidades capazes de competir com as melhores universidades europeias. Não precisamos de nivelar por baixo.»
(reprodução de entrevista Económico online, de 16/03/15)
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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