quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"Praxe na Universidade do Minho - em nome do direito à indignação"

Com a solicitação de que fosse feito o "eco institucional que se exige", chegou-nos entretanto o texto que passamos a reproduzir:

«PRAXE... OU IMPUNIDADE?
Na semana passada, terminaram as matrículas dos alunos colocados na primeira fase de candidatura ao ensino superior. A minha filha ingressou na Universidade do Minho/Braga e, se Deus quiser e se alguns aprendizes de energúmenos, candidatos a doutores, não lhe tolherem o passo, terminará o seu currículo académico tradicional daqui por cinco anos.
Não vou gastar a vossa paciência com testemunhos de ex-alunos da Universidade de Minho que atestam a violência psicológica exercida por alguns autodesignados “doutores”, “engenheiros” e “arquitetos” que, em casos extremos, ocorridos nos anos letivos mais recentes, levaram a abandono de curso, ao medo de entrar nas instalações da U.M. e à candidatura a outras instituições do ensino superior.
No dia da matrícula, ao que supomos com conhecimento prévio da Reitoria, foi entregue a cada aluno, um conjunto de “informações úteis”, uma mochila publicitária de uma operadora de telecomunicações e um chorrilho de acicates de uma discoteca da cidade. Sendo certo que as ditas “informações úteis” esclarecem e alertam os novos alunos para o contexto universitário, não é menos verdade que o enfoque do material publicitário imposto aos “caloiros” está objetivamente direcionado para atividades que nada têm a ver com aquilo que deveria esperar os alunos: o acolhimento, a integração, o incentivo ao estudo e a uma vida académica equilibrada, condizente com o esforço económico a que os pais se obrigam, muitas vezes em situações de franca dificuldade. Em abono da verdade, diga-se que o ensino superior não é gratuito e, como tal, cumpre à Reitoria zelar para que esse mesmo ensino não seja seriamente condicionado, pelo menos dentro dos muros da universidade, mormente no que diz respeito à salvaguarda do direito à frequência das aulas pelos novos universitários.
Ainda as aulas não começaram e já se fez sentir, dentro do campus universitário, o rufar dos tambores para amedrontar e achincalhar, os ditos “caloiros” que, posteriormente, serão tratados por “novilhos”: a mais baixa coação psicológica, a utilização do calão mais ordinário que os “doutores” obrigam os novatos a berrar até à exaustão e outras habilidades impostas fazem prever, para o ano letivo em curso, a continuação da impunidade com que umas dúzias de parvalhões se vêm insolentemente pavoneando. Meramente a título de exemplo, lembramos a semana esquizofrénica em que uma grande parte da cidade não consegue dormir, porque um bando de marginais decide que é o momento de aplicar aos bracarenses uma injeção da mais rasca poluição sonora, até às tantas da madrugada, sem que as autoridades policiais e autárquicas pareçam preocupadas em lhes arrepiar o caminho, protegendo os mais elementares direitos da comunidade bracarense.
Mas deixemos estas questões para próxima reflexão e voltemos à semana que agora termina, citando alguns dados e algumas regras impostas aos novos alunos:
1. Segundo o designado “Código da Praxe”, da Academia Minhota 2011/2012, “praxar” identifica-se com “punir” (Capítulo II, Parte 1, Pág. 11, linha 16);
2. “… um faltoso à praxe deverá ser punido pela sua falta por todos os seus superiores…” (idem, linhas 30-31);
3. “Esta Trupe poderá ainda escolher andar de cara tapada ou não, sendo que, para tapar a cara, apenas poderá ser usado um capuz de tecido preto…” (idem, Parte 5, página 15, linhas 7-8);
4. “Esta Trupe tem esta designação [Trupe Contínua] uma vez que lhe será dada uma autorização especial para se poder formar durante um ano letivo…” (idem, Página 15, Parte 6, linhas 1-3);
5. “Em espaços fechados que constituam lugares de festa e folia (bares e discotecas), e no espaço horário compreendido entre a meia-noite e as seis horas da matina, poder-se-á mesmo tirar o casaco e pousá-lo em cabides…” (idem, Capítulo III, Parte 1, Página 17, linhas 17-19);
6. “Extremamente grave será qualquer tentativa de ludibriar a Praxe, devendo o mentiroso ser severamente punido (…) pagando cedo ou tarde pela sua falta” (idem, Parte II, Página 18, linhas 14-17);
7. “… recomenda-se, no entanto, que o energúmeno [o caloiro] seja o mais duramente punido. Caso se verifique que a besta permanece ainda em tão refece posição, deverá ser repetidamente punido até que deixe de o ser” (idem, Parte 5, Página 20, linhas 1-6);
8. O caloiro é uma “malaburra”, educado por um “padrinho” (idem, Capítulo IV, Página 21, linha 16);
9. “Um padrinho assiste babado ao crescimento do afilhado, a quem explora como pode…” (idem, linhas 18-19);
10. “Há o Padrinho de duelo que é aquele fulano grávido de sadismo, que se diverte a arbitrar uma disputa entre duas malaburras, cabendo-lhe testemunhar os olhos à belenenses com que o seu afilhado é brindado” (idem, linhas 28-31);
11. “… terá, como justiça, de providenciar e beber meia garrafa de Rhum…” (idem, Capítulo VIII, Parte 2, linha 8);
12. “Se, porventura, o caloiro não cumprir por livre vontade as justiças que foram aqui citadas, terá sua pena acrescida de um castigo suplementar, que será ditado pelo Praxante. Se necessário, o caloiro será obrigado a cumprir as justiças que lhe foram impostas através de qualquer meio à escolha do Praxante” (idem, Página 36, linhas 3-6);
13. No horário fornecido aos novos alunos, com ampla publicidade da discoteca referida acima, pode ler-se: “ … marcar turnos práticos para quinta-feira de manhã pode ser prejudicial à saúde”;
14. A mochila contém também um pendente, publicidade da mesma discoteca, para colocar do puxador da porta do quarto dos novos alunos, onde se lê (em Inglês): “Não perturbar! Eu ontem fui lá ter!” [à discoteca, claro, E, por isso, os “doutores” só os deixam ir dormir às seis ou sete da manhã, em cima do horário letivo];
15. O “Passaporte do Caloiro” também é publicidade da mesma discoteca. Contém a “informação da besta” [novo aluno] e um “Programa de Acolhimento” que aponta para atividades como, por exemplo, “caloiro de molho” (nas piscinas da Rodovia). Depois de algumas informações, onde os alunos tomam conhecimento das palermices a estão obrigados, sob pena de castigos efetivos/praxes, concluiu-se que “o caloiro deve fazer-se acompanhar, sempre e em qualquer altura, pelo presente passaporte, para que os mui nobres doutores, engenheiros e arquitetos efetuem a identificação dos ANIMALUS ANORMALIS”.

Na qualidade de contribuinte que faz contas à vida para pagar os impostos que ajudam a suportar os gastos destes intitulados “doutores” e na qualidade de pai, pergunto ao Senhor Reitor da Universidade do Minho, ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Braga e aos Senhores Comandantes das Forças de Segurança da cidade de Braga:
a) Continuarão V. Exc.ªs a não apresentar medidas que impeçam os atropelos acima referidos, mesmo dentro do campus universitário?
b) Continuarão V. Exc.ªs a autorizar a distribuição pública do documento acima referido e a implementação das práticas nele elencadas, atentatórias da mais elementar dignidade?
c) Continuarão V. Exc.ªs a autorizar a abertura do estabelecimento de diversão noturna em referência, nas horas, nos termos e nos procedimentos em que é sugerido nos textos publicitários apresentados?
d) Continuarão V. Exc.ªs a autorizar que jovens alunos sejam retidos em lugares mais ou menos conhecidos, de dia ou de noite, com prejuízos incalculáveis para o estudo e para o seu futuro profissional?
e) Continuarão V. Exc.ªs em silêncio, quando toda a gente sabe que os jovens alunos são submetidos a momentos de tensão e coação psicológica e física que só não confessam publicamente por medo de represálias?
f) Continuarão V. Exc.ªs a fechar os olhos, por exemplo, às placas com que obrigam os “caloiros“ a trazer ao pescoço com a inscrição “Besta”?
g) Continuarão V. Exc.ªas a deixar que, dentro do campus universitário, haja quem obriga os mais novos a mastigar a erva do chão?
h) Que fazia um carro de reboque da PSP, junto à rotunda da UM, na tarde da passada segunda-feira? Metia na ordem os pais que ficam com o coração nas mãos, ao verem os filhos entrar naquilo que devia ser, desde o início do ano letivo, uma Academia? E que tal se fossem vigiar a discoteca a que já fizemos referência ou se dissuadissem os abusos a que estão a ser submetidos os novos alunos?
Sintetizo com duas perguntas e um único alerta:
Pergunta 1: Está a Reitoria em condições de garantir aos pais que os seus filhos não são impedidos de frequentar as aulas, após o seu início oficial, devido à ação coerciva, intimidatória e meliante de um grupo de fanfarrões, que envergonham a tradição da capa negra dos estudantes?
Pergunta 2: E se, um dia destes, um grupo de pais, mais ou menos anónimos, de dispuser a praxar os praxantes?
Alerta único: o silêncio dos “caloiros” (e até a sua aparente aceitação da “praxe”, nos termos em que ela é executada) não é mais do que uma estratégia para se defenderem de ostracismos, represálias e exclusão.

Manuel Maria Araújo Gonçalves
(em nome do direito à indignação)»
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1 comentário:

  1. Boa noite.

    Não leve tanto à letra tudo o que lê pois o Código de Praxe está repleto de ironia. Não são os ditos "Doutores", "Engenheiros" ou "Arquitectos" que desencaminham os vossos filhos porque eu, enquanto caloiro, faltei a muitas aulas porque, simplesmente, me apeteceu. E se, vocês pais, estivessem minimamente atentos à vida académicas dos vossos filhos, percebiam que eles não são em nada diferentes dos outros. Quantos e quantos passam as tardes na esplanada da Montealegrense quando os pais pensam que estão nas aulas. E, o curioso, é que não estão em praxe.
    Queixam-se da pressão psicológica que nós submetemos os vossos filhos (e que me submeteram a mim) mas faz-lhes bem, na minha opinião. Os meus pais sempre me disseram que pela vida fora teria de engolir muitos sapos e a praxe ensinou-me e engoli-los. Você pode perguntar "Mas que autoridade têm os que ali andam de capa negra para lhes ensinar o que quer que seja?" e eu respondo-lhe que ensinam aquilo que lhes deixam ensinar.
    Como praxista, exijo que os meus caloiros (e quando digo "meus" digo com todo o carinho deste mundo porque eu sou o primeiro a protege-los e a ajuda-los quando eles precisam) sejam pontuais, responsáveis, unidos, interventivos, etc. Acha que estou errado ao tentar fazer com que sejam assim? Eu acho que são qualidades essenciais na nossa vida. E em relação à vida académica, ajudo no que posso. Forneço apontamentos, OBRIGO-OS a irem às aulas, chamo-os à atenção porque passam as aulas a conversar. Afinal acho que não sou tão energúmeno quanto isso. Que pode haver excessos, pode. Mas não se pode generalizar. Porque se lhes pintamos a cara é humilhação? Porque se "enchem" é humilhação? Tudo na vida tem uma punição quando fazemos algo errado. Não sou ninguém para os punir mas a partir do momento que entram no "jogo", há regras. Se querem simplesmente trajar, não necessitam de ir à praxe. O traje é comprado por qualquer um.
    Quem quer ir à praxe vai lá para crescer como pessoa, para conhecer pessoas de todo o lado, para nos ajudar a crescer a nós que também aprendemos com os "caloiros", para serem ajudados a nível académico e muitas mais coisas.
    Só um último ponto, referiu que muitos abandonam a Universidade porque foram humilhados ou por outras razões. Agora eu faço-lhe uma pergunta: e aqueles que cometeram suicídio por pressões familiares (alunos principalmente do curso de Medicina)? São casos menos importantes que estes da praxe? Parece-me que não. As principais pressões vêm de casa. Não duvide disso.
    Eu entendo parte do seu lado mas não critico a parte que não entendo. Apenas contra-argumento. Você não quer entender o nosso lado e acusa-nos. Nós não nos metemos com quem não quer ir à praxe, porque é que quem não quer ir tem de estar constantemente a atacar-nos? Incomodamos assim tanto?
    Se a sua filha não quiser ir à praxe, é livre disso. Ninguém a obrigará. O grande problema é os filhinhos desculparem as suas asneiras com a praxe quando muitas vezes não tem qualquer relação, apenas é um bode expiatório bastante fácil.

    Com os melhores cumprimentos.

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