quarta-feira, 13 de junho de 2012

Os livros a quem os quer ler e necessita deles: Contributo para o Projecto de Regulamento das Bibliotecas da Universidade do Minho (Continuação)

1.      Há propostas (também do próprio Regulamento agora em discussão) que vão no sentido de permitir a “requisição permanente” por “entidades” superiores aos docentes. Discordo profundamente. Foi por causa disso que, nestes quase trinta anos de docência, vi vários livros extraviados. Por outro lado, porque é que hei-de ter de esmolar a uma “entidade superior”, que até pode não gostar de mim, que me requisite livros que eu posso requisitar directamente nas Bibliotecas? Para quê esta mania de colocar sempre instâncias intermédias e intermediárias onde não há necessidade delas? Qual a necessidade de reforçar as hierarquias? Para que ajoelhemos melhor diante delas? Para aprendermos melhor que a Universidade não é um lugar de liberdade? Para que renunciemos mais facilmente “à busca de um país liberto, de uma vida limpa e de um tempo justo”, como discursava ontem alguém nas celebrações do 10 de Junho, citando Sophia de Mello Andresen?
Penso ter sido Jean Delumeau quem, para caracterizar a relação que os Protestantes têm com Deus, a assimilava a uma relação em que o produtor ia directamente ao consumidor, dispensando os intermediários. Sem aqui pretender atacar quem for de sensibilidade católica, é esta mesma relação que pretendo entre as Bibliotecas e os seus utentes: directa, sem outros intermediários que não sejam os indispensáveis, reduzidos ao mínimo, “estorvando” o mínimo.

2.      Alguém invocou a possibilidade de requisitar mais longamente os livros necessários para preparar aulas. Embora com o devido respeito, pergunto: quem controlará o propósito invocado? Não se está mesmo a ver que logo depois surgirá um qualquer sistema de qualidade, ou uma qualquer plataforma electrónica, a averiguar junto dos alunos se determinados livros foram ou não utilizados nas aulas? E não se está a ver que esse poderia ser um artifício para conseguir “furar” o sistema “regulador” que nos querem impor? Para quê perpetuar o sistema da não-transparência ou da mentira para a defesa de interesses que, afinal, até são muito legítimos? Se encontrarmos normas razoáveis de convivência entre as Bibliotecas e os seus utentes, não me interessa saber para que serve o livro, interessa-me apenas que o docente precisa dele. Isto, é claro, para não entrar pela discussão morosa de distinguir entre um livro que “serve” para preparar aulas e um outro que não serve. Em certos ou muitos casos, a discussão seria especiosa.

3.       Aceito que, por causa da minha doença, me tenha passado despercebida a justificação para, ultimamente, ter sido alterado o Regulamento que regeu a maior parte dos anos da minha docência na UM. Não a vi, mas decerto que o problema é meu. De qualquer modo, só imagino uma razão para esta recente obsessão regulamentadora: a de que tenha havido muitos livros extraviados. Nesse caso, gostaria de ter acesso às circunstâncias e aos números, se não foram dados, ou seja, ter acesso ao estudo que obrigou a rever o Regulamento antigo.
Não sei se tive uma sorte muito particular, mas nunca deixei de encontrar um livro que constasse dos catálogos das Bibliotecas (e há aqueles que foram mandados para as catacumbas porque poucos os requisitam. Não é crítica, é só para dizer que os extravios, suponho, não devem ser assim tantos). E as normas que havia para com os faltosos desincentivavam o extravio (estou a falar do “peixe miúdo”, dos outros casos nada sei, só posso especular). No entanto, um dia disseram-me que tinha de devolver um livro que eu tinha consciência de nunca ter requisitado porque até nada tinha nada que ver com as minhas áreas de interesse. A jovem funcionária, que não me conhecia de lado algum, mostrou-me a requisição do livro e perguntou-me, com ironia mal disfarçada, se a assinatura não era minha. Encostada à parede, disse que sim, mas que continuava a negar tê-lo requisitado. Lembrei-me então de pedir para chamarem uma funcionária das “antigas”, que bem sabia como eu sempre tratara bem os livros e, podendo, os devolvia antes do período solicitado quando havia outra pessoa a querer também lê-los. Imediatamente acreditou em mim, tanto mais quanto sabia que, na altura (e agora?), o leitor de barras já não estava em condições e, por vezes (quantas vezes?) se enganava na cópia dos números. Felizmente, o livro que era suposto eu ter extraviado sem o admitir (obviamente, passei inicialmente por negligente e mentirosa aos olhos da funcionária mais jovem, ou, no mínimo, por estar com uma falta de memória a roçar o Alzheimer), permanecia na estante, intocado. Afinal, a haver extravio, não teria sido eu a responsável. Mas, se eu não fosse séria, não teria devolvido o livro que já não estava registado em meu nome, pois penso não ter havido mais investigação por parte da Biblioteca.

4.      Chamo também a atenção para as investigações que, a meu ver, mais serão prejudicadas e incomodadas pelo novo Regulamento, seja o das renovações por 14 ou 30 dias: as das ciências sociais e humanas, que mais precisam de livros. Acredito que muitos dos nossos colegas de outras áreas já só necessitem acima de tudo de artigos estrangeiros e, portanto, de acesso a bases de dados. Neste campo, cumpre-me assinalar que, por vezes, só se possa ter acesso a artigos de certas revistas 6 meses depois de terem sido publicados, o que, obviamente, não é bom para a investigação. Por outro lado, tempos houve em que perdi um dia inteiro, passando por diversos serviços da UM, a colocar o meu portátil em condições de aceder a partir de casa (e da UM) às Revistas estrangeiras, verificando que, poucos meses depois, deixara de ter esse acesso. Quantas vezes mais terei de repetir a experiência de Sísifo?

5.      Por tudo isto, peço que nos deixem na maior paz possível nesta questão dos livros (ao menos, nesta!). Responsabilizem directamente quem, por negligência ou mero azar, extraviou um livro, não o devolveu quando outra pessoa o queria ler, etc, o que já estava previsto desde que entrei para a UM. Mas não nos sobrecarreguem com mais tarefas de sociedade burocratizada, pois não se conseguem vislumbrar os benefícios da regulamentação pretendida e já temos regulamentações que cheguem. A meu ver, o regime anterior a este Regulamento (quer seja o da renovação a 14 ou 30 dias, permitam-me designá-los assim) mostrava-se perfeitamente adequado: numa primeira versão, tínhamos de mostrar/devolver os livros requisitados ao longo do ano lectivo, o que se fazia por Junho ou Julho, podendo requisitá-los imediatamente se não fossem necessários à Universidade ou a outra pessoa. Numa segunda versão, recebíamos, também por esses meses, uma folha com os livros requisitados, devendo devolver a folha devidamente assinada dentro de aproximadamente um mês. Este último é o regime que prefiro (não vou pormenorizá-lo mais, quase todos sabemos qual era o seu conteúdo, aqui incluindo o Sr. Vice-Reitor), por ser o que proporciona maior liberdade a quem lê e investiga. Se há um número desmedido de extravios - quod erat demonstrandum -, então que se passe para a tal fiscalização anual. Mas não nos perturbem o prazer da leitura e investigação quando o tempo já é tão pouco para elas, aplicando-lhes regras que fazem dos livros requisitados uma bomba a contra-relógio que pode explodir-nos nas mãos quando menos o esperamos.

6.       Por último, o meu agradecimento público ao Dr. Eloy Rodrigues pelo extrema gentileza e cuidado que teve para comigo quanto à questão da renovação dos livros, atendendo à minha grave situação de saúde (neste âmbito, um agradecimento também à Drª Matilde Almeida). O meu agradecimento justifica-se tanto mais quanto o Dr. Eloy já sabia nessa altura inicial das minhas fortes discordâncias em relação ao novo Regulamento, mas entendeu-as como fazendo parte da saudável vida democrática das instituições.

Saudações académicas

Laura Ferreira dos Santos
Profª Associada
IE

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