quarta-feira, 13 de junho de 2012

Os livros a quem os quer ler e necessita deles: Contributo para o Projecto de Regulamento das Bibliotecas da Universidade do Minho

Estimado Sr. Vice-Reitor Rui Vieira de Castro,
Caras/os Colegas,

Assunto: Contributo para o Projecto de Regulamento das Bibliotecas da Universidade do Minho

Apesar de estar de baixa médica por motivos oncológicos graves, não me quero demitir desta tarefa de fornecer algumas ideias sobre o modo como os docentes (docentes-investigadores, se quiserem, considerando eu que outros utentes das Bibliotecas defenderão os seus interesses) deverão poder aceder aos livros das diversas Bibliotecas da UM. Para que não me digam um dia, enquanto existir, que não falei atempadamente, e porque sempre gostei muito de livros.

Os livros a quem os quer ler e necessita deles

1.      Custa-me a crer que haja Regulamentos que sejam “meros” Regulamentos, acreditando antes que eles espelham sempre um determinado modo de ver a realidade, sobretudo, neste caso, a relação entre o individual e o colectivo. Num livro já com muitos anos, Michel Serres falava de uma determinada cultura “primitiva” em que o “Regulamento” dos jogos de futebol tinha de implicar sempre o empate, por mais que o jogo se prolongasse, de modo a que não houvesse “victoriosos” e “vencidos” e assim se mantivesse, por esse lado, a paz social. Por isso, também não acredito que com esta discussão em torno do Regulamento das Bibliotecas da UM se esteja a falar de um mero Regulamento, mas de algo muito mais amplo, que irei tentando explicitar.

2.      Ao longo de quase 30 anos de docência na UM, sempre entendi que não devia haver “feudos” nas diversas Bibliotecas, independentemente de quem pediu que determinado livro fosse comprado. É a comunidade inteira da UM quem deve beneficiar da aquisição desses livros, e não apenas quem esteve particularmente interessado numa compra. Se há uma obrigatoriedade de os livros comprados com verbas de Projectos próprios, ou dos diversos Departamentos, irem para a Biblioteca, é precisamente, a meu ver, para que toda a comunidade académica possa beneficiar da diversidade de interesses que nos constitui e enriquece. Aliás, a minha experiência fez-me ver que os livros que me interessavam sobremaneira não eram, de um modo geral, requisitados em número abundante. Mas vi com agrado que havia alguns docentes de outras Escolas que vinham requisitar ao meu Instituto livros que eu pedira para serem adquiridos, assim como eu própria podia desfrutar de livros que eles tinham pedido para as suas Escolas. O que sempre me desagradou foi dar de frente com um livro que, por qualquer razão, se encontrava “indisponível” (era essa a caracterização), ainda por cima ao longo de muitos anos (até o “possuidor” morrer?). Numa época em que tudo se quer privatizar, manifesto-me fortemente contra a hipótese de os livros ficarem “presos” em determinadas mãos, sejam elas quais forem. Não sou só eu quem perco, é toda a comunidade académica que perde com essa possibilidade. E há um ensinamento perverso a acompanhar essa prática: no campo do conhecimento - como noutros, subentende-se - o interesse particular pode, indevidamente, prevalecer sobre o interesse comunitário. Somos uma Universidade: é esse o ensinamento que pretendemos transmitir?

3.      É de pressupor que, quem requisita um livro, o faz porque gosta de ler e investigar. E quem gosta de ler e investigar gosta também de saber que pode dispor do livro por um período de tempo relativamente longo. Os docentes não são investigadores a tempo inteiro, têm milhentas outras tarefas a cumprir – não dão apenas algumas “aulitas”, como, infelizmente, já foi dito por um Reitor português. Por isso mesmo, raramente conseguem ler o que queriam nos prazos que eles próprios se tinham estipulado. O acto de ler e investigar requer motivação, tempo e concentração, que não deve ser perturbado por regulares e inquietantes chamadas de atenção – mesmo aos Domingos, como se a antiga cultura judaica não tivesse sabiamente previsto pelo menos um dia de descanso semanal! – no sentido de os renovar ou devolver no dia seguinte. Para além disso, a leitura e a investigação não se faz muitas vezes de forma linear – “salta-se” de livro para livro, à procura do mais interessante e importante, mas para isso é preciso dispor deles com tempo e não em ritmo de enfarte de miocárdio (renove-os, devolva-os todos de uma vez e de um dia para o outro, pague multas, etc, etc). As Bibliotecas devem promover a leitura ou desincentivá-la?

4.      Segundo uma notícia da capa do Público de hoje, 11 de Junho, “Metade dos professores sofre de stress, ansiedade e exaustão”. Embora o estudo em que a notícia se baseia refira acima de tudo professores do ensino secundário, decerto ninguém ficaria surpreendido se se dissesse que os docentes do ensino “superior” sofrem também desse mal. Neste aspecto, que se peça opinião ao nosso médico de medicina do trabalho e, já agora, se divulgue um estudo por Escola. Logo, para quê aumentar o nosso stress e ansiedade com esta obsessão regulamentadora se já tanto nos faz mal à saúde? 

[Continua]

Laura  Ferreira dos Santos

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