Estimado Sr. Vice-Reitor
Rui Vieira de Castro,
Caras/os Colegas,
Assunto: Contributo para o Projecto de
Regulamento das Bibliotecas da Universidade do Minho
Apesar de estar de baixa
médica por motivos oncológicos graves, não me quero demitir desta tarefa de
fornecer algumas ideias sobre o modo como os docentes (docentes-investigadores,
se quiserem, considerando eu que outros utentes das Bibliotecas defenderão os
seus interesses) deverão poder aceder aos livros das diversas Bibliotecas da
UM. Para que não me digam um dia, enquanto existir, que não falei
atempadamente, e porque sempre gostei muito de livros.
Os livros a
quem os quer ler e necessita deles
1. Custa-me a crer que haja Regulamentos que
sejam “meros” Regulamentos, acreditando antes que eles espelham sempre um
determinado modo de ver a realidade, sobretudo, neste caso, a relação entre o
individual e o colectivo. Num livro já com muitos anos, Michel Serres falava de
uma determinada cultura “primitiva” em que o “Regulamento” dos jogos de futebol
tinha de implicar sempre o empate, por mais que o jogo se prolongasse, de modo
a que não houvesse “victoriosos” e “vencidos” e assim se mantivesse, por esse
lado, a paz social. Por isso, também não acredito que com esta discussão em torno
do Regulamento das Bibliotecas da UM se esteja a falar de um mero Regulamento,
mas de algo muito mais amplo, que irei tentando explicitar.
2. Ao longo de quase 30 anos de docência na
UM, sempre entendi que não devia haver “feudos” nas diversas Bibliotecas, independentemente
de quem pediu que determinado livro fosse comprado. É a comunidade inteira da
UM quem deve beneficiar da aquisição desses livros, e não apenas quem esteve
particularmente interessado numa compra. Se há uma obrigatoriedade de os livros
comprados com verbas de Projectos próprios, ou dos diversos Departamentos, irem
para a Biblioteca, é precisamente, a meu ver, para que toda a comunidade
académica possa beneficiar da diversidade de interesses que nos constitui e
enriquece. Aliás, a minha experiência fez-me ver que os livros que me
interessavam sobremaneira não eram, de um modo geral, requisitados em número
abundante. Mas vi com agrado que havia alguns docentes de outras Escolas que
vinham requisitar ao meu Instituto livros que eu pedira para serem adquiridos,
assim como eu própria podia desfrutar de livros que eles tinham pedido para as
suas Escolas. O que sempre me desagradou foi dar de frente com um livro que,
por qualquer razão, se encontrava “indisponível” (era essa a caracterização),
ainda por cima ao longo de muitos anos (até o “possuidor” morrer?). Numa época
em que tudo se quer privatizar, manifesto-me fortemente contra a hipótese de os
livros ficarem “presos” em determinadas mãos, sejam elas quais forem. Não sou
só eu quem perco, é toda a comunidade académica que perde com essa
possibilidade. E há um ensinamento perverso a acompanhar essa prática: no campo
do conhecimento - como noutros, subentende-se - o interesse particular pode,
indevidamente, prevalecer sobre o interesse comunitário. Somos uma
Universidade: é esse o ensinamento que pretendemos transmitir?
3. É de pressupor que, quem requisita um
livro, o faz porque gosta de ler e investigar. E quem gosta de ler e investigar
gosta também de saber que pode dispor do livro por um período de tempo
relativamente longo. Os docentes não são investigadores a tempo inteiro, têm
milhentas outras tarefas a cumprir – não dão apenas algumas “aulitas”, como,
infelizmente, já foi dito por um Reitor português. Por isso mesmo, raramente
conseguem ler o que queriam nos prazos que eles próprios se tinham estipulado.
O acto de ler e investigar requer motivação, tempo e concentração, que não deve
ser perturbado por regulares e inquietantes chamadas de atenção – mesmo aos
Domingos, como se a antiga cultura judaica não tivesse sabiamente previsto pelo
menos um dia de descanso semanal! – no sentido de os renovar ou devolver no dia
seguinte. Para além disso, a leitura e a investigação não se faz muitas vezes
de forma linear – “salta-se” de livro para livro, à procura do mais
interessante e importante, mas para isso é preciso dispor deles com tempo e não
em ritmo de enfarte de miocárdio (renove-os, devolva-os todos de uma vez e de
um dia para o outro, pague multas, etc, etc). As Bibliotecas devem promover a
leitura ou desincentivá-la?
4. Segundo uma notícia da capa do Público de
hoje, 11 de Junho, “Metade dos professores sofre de
stress, ansiedade e exaustão”. Embora o estudo em que a notícia se baseia
refira acima de tudo professores do ensino secundário, decerto ninguém ficaria
surpreendido se se dissesse que os docentes do ensino “superior” sofrem também
desse mal. Neste aspecto, que se peça opinião ao nosso médico de medicina do
trabalho e, já agora, se divulgue um estudo por Escola. Logo, para quê aumentar
o nosso stress e ansiedade com esta obsessão regulamentadora se já tanto nos
faz mal à saúde?
[Continua]
Laura Ferreira dos Santos
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