«O que faz uma grande universidade no século XXI é basicamente o mesmo que fez as grandes universidades no passado, desde a sua génese, na Grécia Antiga, à sua consagração, na Idade Média Cristã.
“O que faz uma grande universidade no século XXI?” Este foi o tema de um debate estimulante — mas também preocupante — que teve lugar em Oxford, no domingo da semana passada (24 de Abril) A iniciativa pertenceu à IARU (International Alliance of Research Universities) e reuniu responsáveis da Universidade Nacional da Austrália (vice-chanceler), da Universidade Nacional de Singapura (presidente), Universidade de Pequim (presidente), Universidade da Cidade do Cabo (vice-chanceler), Universidade de Copenhaga (reitor) e da Universidade de Oxford (vice-chanceler).
O aspecto mais estimulante foi também o mais preocupante. Sob a vigorosa liderança da nova vice-chanceler de Oxford, Louise Richardson, os participantes foram gentilmente levados a subscrever a sua tese principal: o que faz uma grande universidade no século XXI é basicamente o mesmo que fez as grandes universidades no passado, desde a sua génese, na Grécia Antiga, à sua consagração, na Idade Média Cristã.
E qual foi o mistério dessa grande e velha ideia de Universidade? É muito simples, por mais que isso desagrade aos activistas políticos de todas as cores: a sua independência; a sua dedicação desinteressada à busca do bem, da verdade e do belo, através de um debate inteiramente livre entre propostas rivais.
Esta preocupação de independência e de liberdade foi crucial para as universidades medievais. Todas elas nasceram sob especial estatuto de independência do poder político — que lhes era concedida pela protecção do Papa, em Roma. É por isso que todas as mais antigas universidades europeias nasceram cristãs. Para grande surpresa dos nossos intelectuais semi-educados, que hoje reproduzem ortodoxias politicamente correctas, universidade cristã queria simplesmente dizer: universidade livre.
Louise Richardson, a vice-chanceler de Oxford, alertou para os perigos que hoje ameaçam esta velha e nobre ideia de universidade livre. Por um lado, as pressões dos governos para que as universidades “produzam resultados”. Esta pressão só poderá ser eficazmente derrotada se as universidades diversificarem as suas fontes de financiamento e recusarem a proletarização dos professores e investigadores sob a tutela de agências estatais.
Por outro lado, existe hoje a ameaça muito directa da censura política exercida por activistas estudantis. Esta é agora exercida em nome da proibição de “discursos ofensivos”, o que significa basicamente discursos com que alguns alunos activistas discordem.
Alunos do Oriel College, em Oxford, queriam retirar do colégio a estátua de Cecil Rhodes porque ela seria ofensiva, dado que Rhodes teria sido “colonialista”. No Christ Church College, também em Oxford, um debate foi cancelado porque havia palestrantes contra o aborto, o que um grupo de alunos considerou ofensivo. Palestrantes que critiquem o radicalismo islâmico são hoje regularmente boicotados. Palestrantes que defendam Israel são hoje também regularmente impedidos de falar.
É um facto que estas ameaças de censura partem hoje sobretudo da extrema-esquerda. Isso merecerá certamente uma análise sobre o que se passa no panorama intelectual à esquerda. Mas, do ponto de vista da Universidade, tanto importa que a censura venha da esquerda como da direita, ou do centro. O lugar da Universidade, como sublinhou enfaticamente Louise Richardson, é o lugar da livre controvérsia, do exame desapaixonado das ideias por outras ideias.
Michael Oakeshott costumava dizer — ecoando as palavras de Edmund Burke e do Cardeal Newman — que a Universidade é o lar de uma perene conversação: civilizada, respeitosa e desapaixonada. Uma conversação entre vozes do passado, vozes do presente e vozes do futuro. Todas devem ter voz. Mas a nenhuma deve ser concedida a supremacia absoluta.
Esta era a ideia de Universidade medieval. É um inquietante sinal dos tempos chamados modernos (ou pós-modernos) que ela esteja hoje a ser ameaçada por activistas semi-educados. Estes bárbaros modernos (ou pós-modernos) querem colocar as universidades ao serviço de causas políticas e sob controlo estatal. Contra os novos bárbaros, é preciso defender a velha ideia de Universidade.»
João Carlos Espada
(reprodução de artigo de opinião OBSERVADOR online, de 2/5/2016)
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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