segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"Universidades e politécnicos têm oportunidade única de abrir quadros"

«O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Manuel Heitor defende, em entrevista, que 2017 será o ano da retoma
O Sindicato do Ensino Superior (SNESUP), depois de olhar para a proposta de Orçamento, questionou a viabilidade da promessa de criar 2000 novos contratos para doutorados até 2019. Mantém os números?
Claro que reafirmo todos os números mas temos de ter bom-senso e de ser realistas. O emprego científico é porventura um dos maiores desafios, certamente de Portugal, mas de toda a comunidade científica na Europa. O que estamos a fazer, e era um compromisso do governo, é resolver um problema de precariedade a nível pós-doutoral, associado ao abuso da figura do bolseiro de post-doc para funções normais de investigação. É esse o assunto que estamos a tratar.
O que está a oferecer não é a solução mas só uma saída para doutorados?
É uma saída, entre outras. Em 2005, formávamos cerca de 700 novos doutores por ano. Hoje formamos 3000. Eles vão para o emprego normal e também há aqueles que escolhem a vida científica. Obviamente que este processo de crescente precariedade foi desenvolvido nos últimos anos porque também foram bloqueadas e proibidas todas as contratações dentro das instituições de ensino superior, entre 2012 e 2015.
O que diz o SNESUP é que estes contratos também não trazem estabilidade...
O meu argumento para os sindicatos é que o regime que foi instaurado não pode ser visto como isolado da possibilidade que hoje está consagrada de as instituições do ensino superior reforçarem os seus quadros. É neste processo de evolução que nós estamos a tentar reforçar e rejuvenescer as instituições, e dando sobretudo condições dignas ao trabalho científico.
Mas o que estes lhe respondem é que, olhando para os números do orçamento, e tendo em conta que será preciso repor valores de vencimentos cortados, não veem essa margem para as instituições contratarem...
Não me digam que os sindicatos queriam que se voltasse à situação de 2015, de nem ser possível contratar. O Orçamento do Ensino Superior cresce 70 milhões de euros. Há um aumento efetivo. É verdade, concretizámos o compromisso da reposição, e estamos a aumentar efetivamente o orçamento. Mas, mais do que isso, o contrato que fizemos com os politécnicos e com as universidades assume o compromisso de a reposição salarial ser feita aos valores de 2013. E, como efetivamente a massa salarial diminuiu até 2015, há naturalmente uma folga. Mesmo em 2016, a massa salarial, pelo menos no primeiro semestre, diminuiu e tem vindo a diminuir desde 2011.
"O orçamento do ensino superior cresce 70 milhões de euros. Há um aumento efetivo (...) E a massa salarial tem vindo a diminuir. Há naturalmente uma folga"
Diminuiu essencialmente por via das aposentações?
Por saída de pessoas. Entre 2011 e 2015 saíram mais de mil docentes do ensino superior, devido ao processo de abandono e de emigração forçada, por saídas normais, etc. Se a massa salarial se tivesse mantido, isso [o argumento de que não há margem] era verdade. Como a massa salarial diminuiu desde 2011 até ao primeiro semestre de 2016, estamos efetivamente a repor aos níveis de 2013. Portanto há uma folga. E tanto há que há instituições, a Universidade de Lisboa entre outras, que já estão a abrir concursos. Temos estimulado quer os politécnicos quer as universidades a abrirem concursos e a aproveitarem esta oportunidade única para abrirem os quadros de pessoal. Portanto, repito, há um aumento efetivo face àquilo que é naturalmente também o constrangimento imposto a Portugal.

As instituições, nomeadamente as universidades, muitas vezes mais do que das verbas das dotações queixam-se das cativações. De não poderem usar até receitas próprias ....
Esse assunto está resolvido.
Existe um compromisso, nomeadamente no atual Orçamento do Estado. Mas pode garantir que estas cativações não irão surgir, por exemplo se vierem a ser exigidas mais medidas de austeridade?
Todos nós, em democracia, temos de apresentar todos os anos um orçamento. Felizmente, em Portugal, assinámos um contrato para toda a legislatura onde garantimos que não há cativações. E todos os anos os portugueses vão ter oportunidade de dizer se consagramos ou não o que está nos contratos. O que hoje podemos dizer é que o orçamento para 2017 consagra integralmente o que nós contratualizámos com as universidades e com os politécnicos, de não haver cativações e espero que este processo assim permaneça.
As bolsas de mérito para estudantes do ensino superior já não são pagas há vários anos. Prometeu desbloquear a questão. Está para breve?
Hoje [quarta-feira] já autorizei o primeiro pagamento. O nosso compromisso é, até ao fim da legislatura, pagar todos os atrasos e hoje já autorizámos a primeira tranche para pagar, ainda em 2016, a primeira fase. Iremos libertando os pagamentos. Isto conseguiu-se devido a uma monitorização que fizemos muito minuciosa da execução de 2016, porque criámos um grupo de monitorização, que possibilitou trabalhar com as instituições e libertar verbas. Por isso estamos a pagar já a primeira tranche em atraso. De facto herdámos muitos anos em atraso. Quando chegámos ao Ministério detetei que havia, desde 2012, atrasos...
"Havia cerca de oito milhões de euros [de bolsas de mérito do superior"
Qual era o valor total em dívida?

Cerca de oito milhões de euros em dívida e vamos já pagar em 2016 cerca de dois milhões de euros. Eu comprometo-me, na medida do possível, a fazer todos os esforços para que todos os atrasos sejam desfeitos no prazo da legislatura. Não é nada que possamos fazer de um dia para o outro mas vamos já pagar no próximo mês o primeiro ano em atraso.
O presidente da Secção Regional Centro da Ordem dos Médicos responsabilizou-o pela emigração de profissionais do setor, falando em falta de planeamento e alunos a mais. Admite baixar o numerus clausus, de Medicina ou qualquer outra área?
Não contem comigo para diminuir os numerus clausus. O que Portugal tem é poucos estudantes, não são - como já disse - instituições a mais. Ainda temos só cerca de 39% dos jovens com vinte anos no ensino superior. E hoje chegamos a vários hospitais que têm obviamente défice. Penso que temos que garantir o aumento da qualificação da população portuguesa e, na área da Medicina em particular, também a qualidade e a proximidade com a atividade clínica. Estamos a trabalhar de muito perto com o Ministério da Saúde, no estímulo e no reforço dos chamados centros académicos clínicos, também reforçando não só a formação médica mas também dos técnicos de saúde e os enfermeiros para melhor podermos reforçar a qualidade do ensino.
"Vamos aumentar a participação na Agência Espacial Europeia"
Já admitiu que o aumento do orçamento não é o que desejaria, nomeadamente no setor da Investigação e desenvolvimento (I&D). Onde gostaria de poder fazer mais?
Desde pelo menos 2007/2008 que não havia um aumento tão grande, que assenta nomeadamente no facto de o orçamento concretizar a promessa do governo de reposição salarial. Que sabemos que se concretiza também num aumento da despesa em investigação porque os salários são a questão crítica. O orçamento tem um aumento. Quando já nós tínhamos chegado a 1,6% do PIB, e depois de um sistema de contração, sabemos que este orçamento é a retoma. E penso que a minha principal função será acelerar essa retoma. Vai demorar algum tempo. Onde é que poderemos fazer mais? Certamente acelerando o estímulo ao emprego científico e acelerando aquilo que é a relação entre a ciência e a sociedade.
A propósito dessa relação com a sociedade, como será gerido o orçamento participativo em ciência?
É um processo inédito em Portugal, que passa por pedir à sociedade civil que participe na definição dos programas de investigação. O Ciência Viva, entre outros, foi um processo de estimular a promoção da divulgação da ciência, pedindo aos investigadores que venham dizer à sociedade o que estão a fazer. Esse foi um momento importante e tivemos 20 anos de Ciência Viva. Agora penso que, à semelhança do que está a acontecer noutros pontos do mundo, nomeadamente na Holanda e também na Califórnia, nos Estados Unidos, é que para além de se pedir aos investigadores que comuniquem o que fazem, é pedir às pessoas que participem na primeira fase de definição dos problemas. Quem faz ciência são os cientistas. O que se pede é que as pessoas participem na definição dos problemas que os cientistas abordam.
Serão três milhões de euros do orçamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para isso?
O meu compromisso foi chegar ao fim da legislatura com 1% do orçamento da FCT, e 1% neste momento são quatro milhões. Esperemos que no fim da legislatura seja mais. Mas é muito dinheiro. O resto é feito da forma normal: um bolseiro que seja candidato é ele que diz, com o seu orientador, o que vai fazer. E mesmo neste caso tem de haver um entendimento.
Nas rubricas do orçamento do ministério para as Instituições I&D e cooperação internacional vemos uma diminuição. Como se explicam essas reduções?
O orçamento mostra uma reorientação de reforçar os recursos humanos, na formação avançada, formação ao nível das bolsas de doutoramento e emprego científico. Essa é estrategicamente a política. Vamos reforçar essa componente com fundos nacionais e comunitários. As outras rubricas foram mantidas mas como em 2016, como foi o fecho do QREN [Quadro de Referência Estratégico Nacional], tinham sido feitos uma série de pagamentos que estavam em atraso, parece que é uma diminuição. Mas nós mantemos o nível. Toda a ciência trabalha em programas plurianuais: um programa de investigação é quatro ou cinco anos. Os nossos compromissos novos serão todos em recursos humanos mas cumprimos os compromissos assumidos nas instituições.
E em relação à cooperação científica internacional?
Na cooperação científica também. Os contratos são todos de cinco ou 10 anos. Neste momento posso dizer o que vou pagar ao CERN [Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear] na próxima década, porque estão todos estipulados. Mantemos os contratos, não vai haver contratos novos, e pomos toda a parte nova em recursos humanos.
À beira da reunião ministerial da ESA [Agência Espacial Europeia], em dezembro, os investimentos vão manter-se, tendo nós uma indústria aeroespacial agora com maior capacidade de participação nos projetos e nos concursos?
Boa pergunta. Estamos a negociar com a ESA mas vamos anunciar na cimeira ministerial um aumento considerável do reforço da nossa participação. Porquê? Não é só por o espaço ser algo engraçado. A ciência e a tecnologia do espaço evoluíram radicalmente e vão evoluir muito nas próximas décadas. Aqui há uns anos, lançar um satélite custaria eventualmente cinco milhões de euros. Hoje é possível lançar satélites mais pequenos, com a mesma capacidade, [gastando] à volta de 150 a 200 mil euros. As chamadas novas indústrias do espaço não substituem as grandes, as antigas irão continuar. Iremos continuar a ter o Ariane, os grandes satélites. Mas é possível hoje pequenos países como Portugal acederem à democratização do acesso ao espaço e, com isso, desenvolver pequenas empresas de base científica e tecnológica, sobretudo na área da observação da Terra. O projeto que estamos a tentar lançar na Plataforma Atlântica, tendo como base os Açores, também tem uma componente importante de desenvolvimento empresarial nessa área. E, por isso, parece-nos que 15 anos após a participação na ESA, deveríamos reforçar agora.
E o reforço será de...?
Estamos a trabalhar com as empresas para a evolução para um novo modelo. Até aqui, tudo era a FCT, com algumas contribuições da Economia para o pagamento da ESA. Criaram-se novas empresas. E a Fundação para a Ciência e Tecnologia está a falar com todas as empresas no sentido de evoluirmos com outros processos de corresponsabilização do pagamento da quota. Para aumentarmos a quota, uma vez que o retorno é sobretudo económico, também temos que ter uma maior participação do setor económico na quota.
O retorno é de dois para um...
Sensivelmente. Nós pagamos cerca de 15 milhões de euros por ano e o retorno económico é sensivelmente de 30 milhões para as empresas. Por isso é que o processo do Atlântico e dos Açores é tão importante, porque estimula o desenvolvimento científico, a cooperação e a centralidade de Portugal no mundo, mas também o desenvolvimento económico, sobretudo em áreas emergentes, como as tecnologias espaciais.
Pensando na vertente Atlântica, e depois das eleições nos Estados Unidos, em que pé é que estamos?
Temos que confiar. Estamos a reforçar uma parceria muito forte com o Sul - O Brasil de um lado, África do Sul, a Nigéria, Angola, Marrocos e, no quadro europeu, certamente o Atlântico Norte: a Noruega, o Reino Unido, a Suécia....
Não referiu os Estados Unidos. Havia diálogo com a atual administração...
Com a atual administração, sim. Mas a democracia é isto mesmo e iremos continuar o nosso esforço. Obviamente os Estados Unidos influenciam qualquer projeto feito no Atlântico e portanto será certamente dependente [destes] e iremos trabalhar nesse sentido. Mas o projeto irá avançar.»

(reprodução de entrevista DIÁRIO DE NOTÍCIAS online, de 11 de novembro de 2016)

[cortesia de Nuno Soares da Silva]

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