«Prática é conhecida
como endogamia académica e o Conselho Nacional da Educação diz que coloca em
causa a equidade e mérito nas carreiras. Mais de dois terços fizeram
doutoramento na mesma instituição onde dão aulas, revela estudo do conselho.
A contratação de docentes pelas universidades usando a
figura do professor convidado tem sido responsável pela manutenção da tradição
de as instituições contratarem para dar aulas pessoas que elas próprias
formaram. Esta prática conhecida como endogamia académica atinge mais de dois
terços dos professores universitários doutorados, revela um estudo incluído no
relatório Estado da Educação, que é apresentado esta segunda-feira pelo
Conselho Nacional da Educação (CNE).
A investigação conclui que 67,2% dos professores doutorados
que trabalham nas universidades foram formados na própria instituição de ensino
onde trabalham. São 2508 dos 3734 professores do ensino superior. Estes níveis
de endogamia são considerados “preocupantes” pelos autores do estudo, Orlanda
Tavares e Cristina Sin, investigadoras no Centro de Investigação de Políticas
do Ensino Superior, e Vasco Lança, técnico superior na Agência de Avaliação e
Acreditação do Ensino Superior (A3ES).
Esta prática representa, para o presidente da CNE, David
Justino, a ”expressão de uma cultura tradicional universitária que tende a
reproduzir os mecanismos de poder e dependência académica em que os insiders
têm sempre vantagem sobre os outsiders, os discípulos sobre os
estranhos, pondo em causa os princípios de equidade e de mérito no acesso às
carreiras”. No entanto, não é a primeira vez que esta questão é suscitada por
uma investigação, já que, num relatório de 2006, a OCDE tinha considerado a
endogamia um “sério problema” que dificultava o desenvolvimento do ensino
superior.
Três anos depois, a lei de recrutamento dos professores foi
mudada para responder ao problema, mas a alteração não conseguiu mexer com “as
práticas institucionais instaladas”, dizem agora os autores do estudo publicado
pela CNE. O grande problema identificado é o recurso recorrente por parte das
instituições de ensino superior à “carreira informal” de professores
convidados, que “reforça o recrutamento endogâmico”.
“Alguns destes professores são convidados por pertencerem à
rede de doutorados produzidos pela própria instituição, por serem conhecidos”,
sublinha aquele documento, acrescentando que a “precariedade inicial” destes
docentes pode ser mais tarde “recompensada” aquando da abertura de concurso
para entrada na carreira.
A endogamia é só um “sintoma” de um problema “mais
profundo”, defende o presidente da direcção do Sindicato Nacional do Ensino
Superior (Snesup), Gonçalo Velho. “Os convidados passaram a 'jornaleiros',
lecionando cargas horárias acima de qualquer razoabilidade e sem espaço para a
investigação”, denuncia. Esta prática desenvolveu-se “devido ao advento da
crise financeira que veio dificultar a abertura de concursos para lugares de
ingresso na carreira”, explica João Cunha Serra, dirigente da Fenprof.
“As limitações orçamentais e a incerteza sobre o futuro
levou as instituições a evitarem o mais possível compromissos duradouros com
novas contratações, enveredando pela solução mais flexível”, acrescenta.
Avaliadas dez universidades
Esta investigação avaliou dez universidades portuguesas e
encontrou taxas mais altas nas duas universidades nacionais mais antigas, a
Universidade do Porto, fundada em 1911, e a Universidade de Coimbra, de origem
medieval. As taxas de endogamia identificadas por este estudo são de 82,4% e
75,6%, respectivamente. Os autores associam a prevalência de práticas de
endogamia precisamente com o facto de estas serem as universidades mais velhas.
No entanto, há outras duas universidades bastante mais
jovens entre aquelas que apresentam maiores níveis de endogamia. São elas a
Universidades dos Açores (74,8%) e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro (73,6%). Nestes dois casos “a hipótese da antiguidade perde terreno em
favor da hipótese da insularidade”, lê-se no artigo, lembrando a localização
geográfica de ambas as instituições.
Contudo, e tal como o próprio tem em consideração, esta
explicação deveria levar a que a outra instituição de ensino superior situada
num dos arquipélagos, a Universidade da Madeira, e a Universidade da Beira
Interior, tivessem resultados semelhantes. No entanto, não é isso que acontece,
já que estas são as duas instituições que apresentam os mais baixos índices de
endogamia, situando-se nos 42,4% na instituição madeirense e nos 57,7% na
universidade sediada na Covilhã.»
(reprodução de notícia PÚBLICO online, de 24/09/2016)
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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