«Caros membros do Conselho Científico e do Conselho Pedagógico do Instituto de Letras e Ciências Humanas
Ilustres colegas,
Tomo a liberdade de vos enviar esta mensagem ao arrepio de advertências de avisados amigos para que não o fizesse, por prenunciarem que venha a ser alvo de futuros actos de revanche. Dado o que se vem passando na nossa Escola nos últimos trinta meses, reconheço que têm fundadas razões para acreditar nisso. Não me demovi, todavia. Quem dedica a sua vida à Academia, é minha convicção, tem o dever de estar preparado e resistir a essas cominações sempre latentes. Faço-o, pois, por imperativo moral!
Serve ela para vos transmitir o meu profundo lamento e completa indignação pelo desfecho recentemente tido pelo projecto do Departamento de Filosofia de criação de um Programa de Doutoramento em Ética Aplicada (PDEA), que tive a oportunidade de coordenar. Como esta notícia logo terá levado asas, presumo que seja já do conhecimento de todos que o PDEA ficou a um clique de dar entrada na Agência A3ES e iniciar o respectivo processo de acreditação junto da mesma.
Sim, é isso mesmo que estão a ler: vinte meses após ter sido iniciado, a omissão de um simples clique determinou o seu fracasso. Que aconteceu, perguntarão? Pensando agora, é impossível não estranhar, desde logo, a anormal delonga de um processo desta natureza. Como foi isso possível?
Após quatro meses de discussão e aprovação do projecto dentro do Departamento de Filosofia, submeti-o a 26 de Março de 2014 à Presidente do ILCH. Foi agendada a sua apreciação pelo Conselho Pedagógico na reunião do mesmo ocorrida a 18 de Março de 2015, quase um ano depois, portanto. Um ano! Não sem que, logo em Abril de 2014, a Presidente do Conselho Pedagógico me tivesse enviado um bizarro pedido de esclarecimento na forma de uma lista de perguntas onde, entre outras demandas, se requeriam estudos de mercado e indicação de patrocinadores do PDEA. Solicitei, prontamente, que nos fossem disponibilizados estudos e nomes de patrocinadores de projectos homólogos a tomarmos em referência para a instrução do nosso. Continuo à espera do seu envio.
Seguiu-se a sua apresentação no Conselho Científico do ILCH em meados de Maio de 2015, depois de mais uma luta para conseguir que entrasse na ordem de trabalhos de uma qualquer reunião sua (e tantas têm existido, como sabem melhor que eu!). Dessa feita, novos obstáculos advieram de quem já esperávamos e revestiu a forma de mais inusuais exigências: era imperioso que o PDEA envolvesse a participação de várias escolas da UM (as mesmas que não nos incluem em qualquer dos seus programas de doutoramento ou que, quando eles ficam moribundos, nos atiram a migalha de um módulo que faz alguns salivar de contentamento), de outras universidades, de protocolos Erasmus, etc. Mais uma vez procurei inspiração nos programas já existentes, saber com quem se tinham associado e como o tinham feito. Mas nada encontrei. Percebi que iríamos ter o privilégio de ser os primeiros. Fizemos o que nos pediram em tempo recorde: obtivemos a colaboração da Escola de Ciências da Saúde, da Escola de Direito, do Presidente da Comissão de Ética, tudo da nossa universidade, assim como de reputados especialistas da universidades de Santiago de Compostela, de Vigo e do Instituto de Filosofia do Consejo Superior de Investigaciones Cientificas (Madrid), sem esquecer a extensão de um protocolo Erasmus com a Universidade de Santiago de Compostela. Perante isso, não nos surpreendeu que, em reunião do Conselho Científico de 17 Junho de 2015, os colegas tivessem aprovado por unanimidade o projecto – tal como, aliás, já havia ocorrido no Conselho Pedagógico.
A 8 de Julho de 2015, eu e o Doutor João Rosas, respondemos a todas as questões que nos foram colocadas na Comissão Pedagógica do senado Académico da UM, a maior parte delas pela voz do Vice-reitor Rui Vieira de Castro, que conduziram à aprovação novamente por unanimidade do projecto.
Há pouco mais de um mês, no dia 24 de Setembro, voltaram os sinais de que novas dificuldades iriam ser colocadas. Ao contrário do que sempre tem ocorrido, a Presidente do Conselho Pedagógico indicou ao Vice-reitor Rui Vieira de Castro como pessoa encarregue do processo (PEP) de inserção dos dados do PDEA na plataforma da A3ES a Presidente do ILCH. Seguiram-se cinco dias de diligências para conseguir ficar como PEP. Após mais esse tortuoso processo, tudo teve que ser rapidamente feito até ao dia 10 de Outubro, data limite para que os serviços da reitoria procedessem à análise da sua conformidade com todos os requisitos da A3ES. Imaginam, por certo, a dificuldade do empreendimento, continuando a dar 16 horas de aulas semanais, a 3 licenciaturas, 2 mestrados e 1 doutoramento, em português e inglês, num conjunto de sete diferentes unidades curriculares, para além de uma série de outras obrigações académicas que mantenho e que me dispensarei de elencar. E, no entanto, foi conseguido; no dia 10 o processo passou para as mãos dos serviços da reitoria.
Faltavam, então, cinco dias para que o Vice-reitor Rui Vieira de Castro validasse na plataforma o dossiê constituído e o mesmo ficasse submetido para acreditação na A3ES. Apenas tinha que fazer um clique no botão electrónico “submeter” e pronto. Nunca o chegou a fazer.
No dia 13 de Outubro perguntou à presidente do ILCH se estavam reunidas todas as condições para que o PDEA pudesse funcionar. A questão foi colocada, note-se, depois do projecto ter sido aprovado por unanimidade em todas as instâncias internas e de no próprio Senado Académico eu próprio e o doutor João Rosas, numa sala onde se encontrava a Presidente do Conselho Pedagógico, termos respondido afirmativamente a essa mesma questão que nos foi dirigida pelo mesmo Vice-reitor. A resposta da Presidente do ILCH foi, espantosamente, a de que não sabia e que deixava nas mãos do Vice-reitor Rui Vieira de Castro a decisão. Inquirida pelo Director do Departamento de Filosofia sobre o que seria ainda possível fazer para alterar as coisas, deu a não menos espantosa resposta de que ele teria de redigir um parecer em que o Departamento de Filosofia declarava estar em condições de assegurar todo o serviço lectivo em 2016-17 com os 8 docentes de carreira que actualmente tem. O professor Manuel Gama enviou esse parecer nesse mesmo dia 13. Mas não estava bem, soube-o no dia seguinte. Tinha que ser outro, mais claro. Outro, então, redigiu no dia 14. Mas também ainda não era aquilo. Precisava de um terceiro mais assertivo. Recebeu-o no dia 15. Porém, como adivinharam, também não bastava. E no dia 16 de Outubro, já expirado o prazo de submissão final à A3ES, ficou o professor Manuel Gama a saber que tinha de elaborar um quarto parecer ainda mais assertórico – ditado, imagine-se, pela própria presidente do ILCH! – sem que, todavia, se pudesse nesse momento presumir que ainda iria chegar atempadamente à reitoria. Obviamente, tal nunca chegou a acontecer. A palavra de um director de departamento, de um Professor Catedrático, de alguém que presidiu à nossa escola entre 1995 e 2001, de uma pessoa de total probidade por todos reconhecida, não tinha sido suficiente.
Foi-nos dito de viva voz pelo Vice-reitor Rui Vieira de Castro uns dias depois que não pôde submeter a candidatura à A3ES porque a Presidente do ILCH não lhe deu as devidas garantias em tempo útil de que havia recursos humanos suficientes para a sua leccionação e que, já depois disso, tinha feito uma última diligência junto do presidente da agência para que ainda pudesse fazê-lo. Ficámos a saber oficialmente no dia 22 de Outubro que não tinha sido bem sucedido nesse seu propósito. Acrescentou, porém, que não desanimássemos, pois poderíamos voltar a submetê-lo no próximo ano. Deixo a cada um dos colegas ajuizar do alcance destas últimas palavras.
Perdoem-me esta longuíssima descrição deste assunto, mas, como compreenderão, é apenas um resumo do que se passou durante quase dois anos, deixando de fora detalhes que neste momento são inconfessáveis.
É evidente que voltaremos a submeter o projecto já no próximo ano. Foi reconhecido em todas as instâncias ser um excelente projecto de doutoramento. É um excelente projecto de doutoramento!
Mas o que queria trazer à vossa atenção é o seguinte. Como pôde isto acontecer? Como pôde uma pessoa determinar sozinha o desfecho deste assunto, sobrepondo-se ao deliberado por um Departamento, um Conselho Pedagógico, um Conselho Científico e um Senado Académico de uma universidade? Se as coisas se podem passar assim, então, no futuro, porque não suprimir todas essas etapas e passar a submeter a sorte de um projecto de ensino, deste, de qualquer outro, ou até do que quer que seja, directamente ao arbítrio, ao capricho, à inclinação momentânea de quem, na embriaguez do mando, tudo pretende decidir numa escola universitária.
Como pode o empenho prolongado de tantas pessoas, a começar em mim próprio, o tempo e a energia que devotaram a desenvolver este projecto, ser tão olimpicamente desmerecido, menoscabado, desrespeitado?
Como tive a oportunidade de o expressar, em mensagem que, faz dias, igualmente senti necessidade de enviar ao Conselho do Departamento de que me muito me orgulho de pertencer, não consigo impedir-me de me interrogar se não estive todo este tempo cativo de uma incrível ingenuidade e se alguma vez houve séria intenção de deixar chegar este projecto a bom porto.
O que mais aflige neste assunto, contudo, é que após o seu provocado aborto o ILCH deixa de poder contar com um projecto de inegável relevância para a valorização da sua imagem externa (que tão deprimida se encontra e todos sabem do que estou a falar!), mata um projecto atraente e ímpar no panorama nacional (e ibérico), que, vamos vê-lo rapidamente, será aproveitado por outra instituição de ensino superior concorrente, enjeita a oportunidade de cooperar no esforço definido pelo Reitor de dar visibilidade a este área, desiste de procurar captar mais alunos (sobretudo de excelência), que tanto precisa de ter, abdica de aumentar as suas receitas próprias, completamente depauperadas como vamos conhecendo a cada dia que passa (no pior dos cenários prescinde-se de mais de 10.000 euros anuais e no melhor deles uns 30.000), atira borda fora a colaboração (que jurava indispensável há tão pouco tempo) com outras UOEI da UM (ultrajando, de caminho, quem, como a Profª Cecília Leão, Presidente da Escola de Ciências da Saúde, a Profª Clara Calheiros, Presidente da Escola de Direito e o Prof. Licínio Chainho Pereira, Presidente de Comissão de Ética, disponibilizaram parte do seu precioso tempo para organizar toda a informação necessária para formalizar a sua associação ao projecto), dispensa um contributo para o seu esforço de internacionalização (causando a desconfiança em quem, como a Profª Maria Xosé Agra, da Universidade de Santiago de Compostela, o Prof. David Álvarez Garcia, da Universidade de Vigo e o Prof. Juan Velasco do Instituto de Filosofia-CSIC (Madrid), de modo gracioso e entusiasmado acederam a colaborar com este projecto). Em suma, enjeitou, com laivos de leviandade, tudo o que se apregoa ser necessário para o seu desenvolvimento ou até sobrevivência. Não terá havido aqui um tiro no pé? Faz isto algum sentido?
Acontece, porém, que, infelizmente, este não é um episódio isolado na história recente do ILCH, fazendo fé no que se tem verificado, desde meados de 2013, mês após mês, semana após semana e, mais recentemente, a um ritmo quase diário. O número de idênticos incidentes conflituosos não parou de aumentar desde então. São do conhecimento de todos. Em resultado, o esmorecimento parece ter vindo a imparavelmente atingir mais e mais colegas e funcionários, a perturbação parece ter-se tomado a normalidade dos departamentos, a paz ausentou-se do ILCH não se sabe até quando.
Oiço que toda esta aperreação pode estar a alguns meses de terminar… ou talvez não! Será sempre demasiado tempo. Resta-me, pois, esperar que, por intercessão divina ou milagre natural uma centelha entre no espírito de quem preside aos destinos desta Escola e lhe revele não ter mais as exigíveis condições para prosseguir com tão exigentes funções.
Com as melhores saudações académicas,
João Ribeiro Mendes»
(reprodução de mensagem que mão-amiga nos fez entretanto chegar, da autoria do professor identificado, distribuída por aquele a 27 de outubro a uma lista alargada de membros do ILCH, conforme identificado no topo da mensagem, com conhecimento ao vice-reitor do pelouro)