«Poucas foram as medidas adoptadas entre as elencadas pelo Governo para a reorganização do sector. O documento apresentado em Maio é considerado “vago” e, em ano eleitoral, haverá pouco tempo para o concretizar.
No início do ano, 2014 parecia destinado a ser de mudanças no ensino superior. A muito reclamada reforma do sector tinha data para avançar e o Governo chegou mesmo a apresentar as linhas orientadoras para a implementar. Foi em Maio. Mas, desde então, muito pouco saiu do papel e, entre os responsáveis das instituições, continua a reclamar-se uma concretização das ideias então apresentadas. Com a legislatura a chegar ao fim, poucos são os que acreditam que este ano possa ter um desfecho diferente.
A discussão sobre a necessidade de uma reorganização da rede de instituições e a racionalização da oferta educativa tem sido a mais recorrente. “É urgente repensar o ensino superior”, sublinha o presidente da Associação Académica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (AAUTAD), Pedro Romeu Alves. A queixa do estudante, que em Janeiro abandona o cargo, encontra eco nas preocupações de José Carlos Marques da Silva, reitor da Universidade do Porto (UP) até Maio: “O sistema precisa de uma volta”, diz.
As ideias de Pedro Alves e Marques da Silva encontram-se e têm sido recorrentes. Porque, no ano que agora terminou, muito pouco mudou. A proposta de reforma do ensino superior apresentada pela tutela tinha três ideias-chave: uma nova fórmula de financiamento, uma maior distinção entre os ensinos politécnico e universitário e o estímulo à criação de consórcios entre instituições. A tutela defendia a criação de uma nova fórmula de financiamento do ensino superior, com base em parâmetros de qualidade, o número desejado de licenciados e a produção científica, entre outros indicadores. A ideia era que fosse adoptada no Orçamento de Estado para 2015, mas não houve tempo para o fazer. Agora, espera ter a proposta pronta até à Primavera, a tempo de preparar o orçamento do ano seguinte.
"Indefinição muito grande"
A proposta para o financiamento público do ensino superior era, de resto, a mais concreta entre as que foram elencadas pelo Governo. As restantes ideias “eram demasiado vagas”, diz Marques dos Santos. A crítica já tinha sido feita pelos responsáveis máximos do ensino superior. O presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), António Cunha, falou num “quadro de indefinição muito grande” no sector. E o líder do Conselho Coordenador dos Politécnicos, Joaquim Mourato, defendeu, aquando da sua reeleição, no início de Dezembro, que era preciso alguém que “explique o que se pretende” dos institutos politécnicos. Pedro Romeu Alves concorda. Diz que “é preciso regulamentação” que sirva de base para a discussão. “Temos de perceber onde queremos que esteja o ensino superior.”
O ano de 2014 trouxe, ainda assim, algumas novidades ao dia-a-dia das universidades e politécnicos. Todavia, a única que representa uma alteração significativa na forma de funcionamento das instituições são os novos Cursos Técnicos Superiores Profissionais. Estas formações superiores de dois anos, ministradas exclusivamente nos politécnicos, entraram em funcionamento a partir de Outubro, ainda a “meio-gás”. As restantes inovações estão apenas a dar os primeiros passos e têm um alcance mais limitado, não podendo considerar-se como uma verdadeira reforma – ainda que estivessem elencadas no documento apresentado pela tutela em Maio.
Em 2014 foi aprovado o Estatuto do Estudante Internacional, “há muito pedido pelas universidades”, lembra Marques dos Santos. Esta nova legislação agiliza o processo de recrutamento de alunos fora da União Europeia e permite às instituições de ensino superior cobrar preços diferenciados aos estudantes estrangeiros, que podem chegar aos 8000 euros anuais. O presidente da AAUTAD, Pedro Romeu Alves, valoriza também a implementação dos programas Retomar (uma bolsa de 1000 euros anuais com o objectivo de fazer regressar ao ensino alunos que o tenham abandonado nos últimos anos) e +Superior, destinado a apoiar os estudantes que pretendem ingressar em instituições do interior do país (foram atribuídas 1001 bolsas no primeiro ano).
Entre as prioridades
Já o novo ano começa com a formalização da constituição do consórcio UNorte.pt, constituído pelas universidades do Porto, Minho e Trás-os-Montes e Alto Douro. O acordo vai permitir às três instituições articularem-se, por exemplo, ao nível da oferta educativa, da partilha de recursos humanos e de mobilidade de estudantes, mas também no acesso ao próximo quadro de financiamento comunitário. José Carlos Marques dos Santos, que enquanto reitor da UP esteve na fase de lançamento do projecto, considera-o um “passo assinalável de colaboração” entre as três universidades do Norte do país. Contudo, o antigo responsável da instituição portuense não encontra neste movimento um sinal de que a reorganização da rede de ensino superior, que vem sendo discutida nos últimos anos, possa ganhar, com este exemplo, um reforço considerável. “As mudanças no ensino superior são muito difíceis de pôr em prática e é preciso uma intervenção mais forte para que isso aconteça”, defende.
O ex-reitor da UP é partidário da ideia de que o Governo devia ter um papel mais activo na reforma do ensino superior. Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) avança apenas que o tema está entre as prioridades para os primeiros meses do ano e que “estão a ser ultimadas” questões como a nova fórmula de financiamento, a reorganização da rede ou a revisão do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES), cuja primeira versão foi entregue às instituições no Verão do ano passado, mas que entretanto foi abandonado.
O tempo para aplicar as mudanças começa a escassear. O mandato do Governo termina no final do ano e, a partir do Verão, a pré-campanha eleitoral para as legislativas vai condicionar os calendários. Por isso, no sector, poucos acreditam que seja agora que a reforma do ensino superior vai mesmo avançar. Na entrevista concedida ao PÚBLICO, há dois meses, o novo presidente do CRUP admitiu que mudanças fundamentais como a revisão do RJIES talvez já não avancem nesta legislatura.
“Penso que a proposta vai ficar para trás”, defende Marques dos Santos. O que, na sua opinião, a acontecer é um erro político dos partidos que suportam o Governo: “Esta é uma daquelas reformas que, quem tiver a coragem de a fazer é que ganhará pontos juntos da opinião pública”. A gestão destas expectativas está, como há um ano, apenas do lado da tutela.»
(reprodução de artigo Público online, de 04/01/2015)
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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