terça-feira, 30 de dezembro de 2014

"Há que explicar a governos e cidadãos que há pouco futuro para Portugal se não tiver uma boa capacidade de produção e disseminação de conhecimento avançado"

«UM PAÍS QUE NÃO PRESERVA E DESENVOLVE AS SUAS UNIVERSIDADES QUE PERSPETIVAS TEM?

Entrevista a João Gabriel Silva

Para além de uma responsabilidade muito grande, o que é que a distinção como Património Mundial da Humanidade (atribuída em 2013 pela UNESCO) trouxe de novo para a UC?
Já muitas pessoas me perguntaram se ser Património da Humanidade dá muito dinheiro: não dá, é só um carimbo. Mas é óbvio que, sendo um carimbo raro e valioso, podemos tirar daí alguns benefícios, a dois níveis. A atividade turística, em que temos um acréscimo significativo - é dos bilhetes que obtemos meios para conservar o património. E o fator distintivo: só há cinco universidades Património da Humanidade. Dessas, só três foram distinguidas por critérios materiais e imateriais, isto é, pelos edifícios e também pelo que representam para a cultura da humanidade. São a da Virgínia, em Charlottesville, a de Alcalá de Henares, em Madrid, e a UC, que tem todo este património arquitetónico e é um dos símbolos principais da língua e da cultura portuguesas. Temos obrigação de aproveitar esta distinção para explicar que vale a pena vir até cá. É importante para o mercado da língua portuguesa.
Pode dizer-se que, mais do que uma universidade portuguesa, a UC é uma universidade da língua portuguesa?
A UC é a universidade em língua portuguesa mais reconhecida no exterior. Fora do país, tem um prestígio enorme, fruto de um grande trabalho ao longo dos séculos.
Por onde mais passará a internacionalização da universidade, no futuro?
Temos duas prioridades: os países de língua portuguesa (com o Brasil à cabeça) e a China - porque é o país que tem relações comerciais mais intensas com os países de língua portuguesa do hemisfério sul e tem uma enorme necessidade de formação de quadros que dominem o português. Nós estamos em condições muito favoráveis para respondera essa necessidade. Apesar de estarmos a virar- nos para a China, não quer dizer que passemos a lecionar em inglês ou mandarim. Entendemos que existe no mundo um interesse suficiente na língua portuguesa para que a UC - baseando a sua oferta em cursos avançados de grande qualidade em língua portuguesa - tenha atração suficiente. Nós como universidade de língua portuguesa somos únicos. As outras formaram-se já no século XX. Se nos transformássemos numa universidade em língua inglesa, éramos mais uma entre milhares. Neste mundo globalizado, a identidade própria é extremamente valiosa. Seria de grande miopia negar essa herança e deitar fora um potencial enorme.
Em época de ginástica orçamental, o que pode a experiência centenária da UC ensinar às outras universidades?
Há que explicar a governos e cidadãos que há pouco futuro para Portugal se não tiver uma boa capacidade de produção e disseminação de conhecimento avançado. Não temos petróleo ou outro recurso que permita que as pessoas vivam daquilo. O que é que podemos ter? A capacidade de pensar, o conhecimento avançado, a inovação, a competitividade. É impossível imaginar um país com boa capacidade de inovação se não tiver boas universidades. Um país que não preservar e desenvolver as suas universidades - sendo exigente com elas, também - que perspetivas é que tem?
No vosso caso, como têm compensado os cortes orçamentais?
A solução foi internacionalizar a universidade, para que a formação seja mais adequada ao mundo em que vivemos e porque ajuda a suprir a insuficiência do financiamento local. No próximo ano temos um corte orçamental previsto de 1,5%, que vamos compensar com a receita adicional da internacionalização.
Está em final de mandato, como 137.º reitor da história da Universidade de Coimbra. Que balanço faz e porque decidiu recandidatar-se?
A lição principal é de que a vontade tem muita força. Os outros é que devem fazer o balanço, mas todos podem concordar que apesar de ter atravessado estes anos de troika, a UC não está mais fraca. Está até mais forte. Terá as suas mazelas, mas está estável, sólida e com muita capacidade de atração. Aquilo que espero - se tiver um futuro mandato e se tivermos um bocadinho mais de oxigénio - é que aproveitemos a embalagem para expandir o prestígio e a qualidade da UC. Não queremos crescer em tamanho, mas queremos crescer em qualidade.»

(reprodução de excerto de entrevista Diário de Notícias, de 2014-12-29 - entrevista a João Gabriel Silva, reitor da Universidade de Coimbra).

[cortesia de Nuno Soares da Silva]

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