terça-feira, 16 de junho de 2015

"Uma ideia (simples e sem custos) para reformar as universidades"

«As universidades portuguesas têm feito um progresso extraordinário nas últimas décadas. O primeiro grande desígnio foi o crescimento. Em 1980 existiam 80.000 estudantes no ensino superior, número que subiu até 400.000 em 2010.

Para dar resposta a esta revolução, formaram-se e contrataram-se milhares de professores ao longo dos anos.
O segundo grande desafio foi a investigação. As boas universidades distinguem-se pelo seu contributo para o avanço do conhecimento e, através da investigação, para as competências das empresas e das regiões. Uma importante evolução foi a presença de doutorados no sistema público de ensino superior, que praticamente duplicou desde 2000, representando agora mais de 70% de todos os docentes universitários. O ênfase na investigação observa-se também nos resultados. Em 1990, Portugal estava na cauda da Europa em número de artigos científicos por habitante. Mas em 2012 já tínhamos ultrapassado a França, a Itália, a Espanha e a Grécia, denotando o grande progresso realizado.
Chegados a esta fase, o terceiro grande desafio é o da relevância e impacto. Não chega formar alunos e desenvolver estudos. É fundamental que o trabalho desenvolvido seja de qualidade, e reconhecido como contributos para o avanço da ciência e/ou para a inovação, dimensões em que é necessário focar. De facto, se analisarmos a qualidade dos resultados do nosso sistema, medida por exemplo através do impacto médio das suas publicações, Portugal está apenas acima do Luxemburgo entre os países da Europa a 15.
Existem muitos obstáculos à continuação do importante progresso a que assistimos nas nossas universidades. A complexidade em fazer reformas, e as fortes restrições financeiras com que o país vive, sugerem por isso que procuremos medidas que não estejam dependentes de grandes alterações nos modelos, ou de mais recursos financeiros. Uma destas medidas é a alteração do regime de dedicação exclusiva dos docentes.
O progresso que se verificou esconde uma grande heterogeneidade no seu nível de compromisso dos professores com a universidade, na qualidade e empenho com que desenvolvem o seu trabalho. A pressão de crescimento do sistema levou a decisões de contratação e promoção por vezes precipitadas. Assim, professores que são verdadeiras "estrelas" académicas mundiais, e com um forte empenho institucional, trabalham lado a lado com outros que pouco mais fazem do que dar as suas aulas, e não publicam um artigo científico durante anos. No entanto, não existem instrumentos de gestão que permitam às universidades agir face a esta heterogeneidade. Os contratos de trabalho públicos estabelecem salários uniformes em função da posição académica, e não do impacto para a instituição, não sendo possível penalizar os que deixam de fazer investigação. Acrescem as  dificuldades associadas à curva demográfica e à crise económica, que levaram à diminuição do número de alunos e reduções no financiamento. O resultado são poucas oportunidades de promoção dos melhores, que assim se desmotivam e se afastam, ou decidem emigrar. Urge por isso alterar esta situação para que continue a existir progresso efetivo na relevância e impacto das instituições.
Acredito que uma melhoria importante poderia ser conseguida através do subsídio de dedicação exclusiva, que hoje depende apenas de um pedido do docente. O subsídio, que representa um terço do salário de um professor e por isso é significativo, faz todo o sentido para aqueles que abdicam de atividades externas para se dedicarem de forma efetiva à vida da universidade. Mas esta dedicação tem que ser real, e reconhecida como tal. Para isso, o subsídio deverá ser validado pela direção da escola, o que não acontece com a presente lei. Seriam estabelecidos critérios para sua atribuição, envolvendo participação ativa em unidades de investigação, coordenação de atividades específicas, entre outras, porventura com exigências diferentes em função do perfil da universidade. Os docentes que não cumprissem os critérios não teriam acesso ao subsídio, podendo complementar o seu salário base com atividades extra. Seriam assim libertados recursos para a contratação de novos professores, ou para a promoção dos melhores.
Esta alteração é simples mas importante, podendo ter um impacto muito significativo nos incentivos e equidade internas e, consequentemente, também na produtividade e impacto das universidades, o seu atual desígnio.»

 Francisco Veloso
Diretor da Católica-Lisbon School of Business & Economics

(reprodução de artigo de opinião JORNAL DE NEGÓCIOS online, de 15 Junho 2015)

[cortesia de Nuno Soares da Silva]

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