Dizer que a forma de fundação dá às universidades estatais mais autonomia do que o regime actual de governo não-fundacional será, de certa forma, o mesmo que dizer que um município terá mais autonomia se tiver, entre os seus órgãos, um "conselho de curadores" nomeado pelo Governo.
Na verdade, no regime não-fundacional vigente na maior parte das universidades, estas têm um órgão deliberativo eleito, o "conselho geral" e um órgão executivo, o "reitor", que é escolhido por aquele. É certo que o "conselho geral" tem alguns elementos externos, mas estes são cooptados pelos elementos eleitos.
Trata-se de uma situação, de certo modo, muito semelhante à dos municípios, em que há também dois órgãos eleitos: um órgão deliberativo, que é a assembleia municipal, e um órgão executivo, que é a câmara municipal, tendo à sua frente o presidente.
O que aproxima um reitor de uma universidade estatal de um presidente da câmara é que ambos podem dizer que têm uma legitimidade que resulta de uma escolha eleitoral e não da nomeação do Governo. O Governo não os pode demitir, ao contrário do que sucede num qualquer outro instituto público que tenha órgãos nomeados.
Ora, uma universidade, ao escolher o regime fundacional, abdica dessa autonomia e coloca a decisão final, a última palavra, sobre as suas decisões mais importantes, nas mãos de um órgão de cinco pessoas que é nomeado pelo Governo, ainda que sob proposta da universidade. É verdade que se mantêm, como órgãos eleitos, o conselho geral e o reitor, mas as principais decisões, incluindo a da escolha do reitor, dependem de homologação do conselho de curadores. Pode dizer-se que este conselho apenas homologa. Mas então ou este conselho apenas se limita a dizer que sim e é inútil ou exerce por inteiro as suas funções e nesse caso faz deslocar, para o seu lado, o centro do poder dentro da universidade.
Se bem repararmos o que actualmente distancia mais um município de uma universidade em regime não-fundacional, é a autonomia financeira. Os municípios gozam de uma autonomia financeira assente numa Lei das Finanças Locais que lhes garante um conjunto de receitas, independentemente da vontade do Governo, podendo geri-las, dentro de certas regras, com liberdade. Já a autonomia financeira e de gestão das universidades é muito mais limitada e muito mais imprevisível, pois estas não sabem, em cada ano, o que vai fazer concretamente o Governo no ano seguinte.
Mas é exactamente por isso, por essa imprevisibilidade, que há quem defenda o regime de fundação pública de direito privado, previsto na lei, para aumentar a autonomia das universidades. No regime de fundação, diz-se, a autonomia será maior. Só que, assim sendo (e está por provar que na prática e em certos aspectos assim seja, pois teria de haver uma lei clara sobre a autonomia financeira das universidades em regime de fundação), não se pode esquecer que isso se faz à custa da abdicação, em favor do Governo, de uma autonomia fundamental, a autonomia resultante da eleição dos órgãos.
Consegue-se eventualmente a autonomia financeira mas com perda da autonomia de governo, ou seja, da autonomia democrática. É por isso que defendo que as universidades estatais devem lutar por uma autonomia financeira dentro do quadro não-fundacional. O que impede, efectivamente, a maior autonomia dessas universidades dentro do actual quadro do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior? Apenas a falta de uma lei clara da autonomia financeira. É por essa lei que as universidades devem lutar, não devendo abdicar da sua autonomia actual em favor de um nebuloso conselho de curadores que, se bem se compreende numa fundação privada, não se compreende facilmente numa universidade pública.
Uma palavra ainda para dizer que essa maior autonomia e assim maior liberdade que defendemos deve ir de par com maior responsabilidade e devida prestação de contas. É minha opinião que as universidades públicas, em geral, estão longe de ser o exemplo de boa gestão que deveriam. A patrimonialização dos cargos é um dos vícios mais graves das nossas instituições do ensino superior, acompanhando, nesse aspecto, um mal geral da nossa Administração Pública. Mas, curiosamente, não é a forma fundacional que pode resolver esse problema, bem podendo, pelo contrário, contribuir para o agravar, pela opacidade organizatória que vem gerar...
António Cândido de Oliveira
(Professor catedrático da Universidade do Minho)
(reprodução de artigo de opinião publicado Sexta- feira, 17/12/2010, no Jornal Público)