domingo, 4 de janeiro de 2009

A Construção da Autonomia na Aprendizagem no Ensino Superior

A filosofia de ensino e aprendizagem preconizadas pelo processo de Bolonha, há muito vem sendo defendida, no plano teórico, para diferentes níveis de ensino, porém, tem sido muito reduzida a sua expressão prática. O que se anuncia como o “novo paradigma” é sem dúvida algo complexo e de muito difícil concretização nas instituições de Ensino Superior.
Aos docentes e alunos exigem-se novas práticas, novos hábitos de trabalho e novas formas de relacionamento no processo de ensino-aprendizagem. Mas a questão central que tem que ser encarada é seguinte: os novos papéis a assumir pelos alunos só poderão ocorrer se forem induzidos pelos docentes. A aprendizagem centrada no aluno não é algo que possa tornar-se realidade por via da concessão de mais tempo de estudo e mais espaço de participação, esperando-se que desse modo o aluno assuma maior protagonismo. A aprendizagem centrada no aluno e a autonomia são construções complexas de que o docente é um obreiro da maior importância. Entre outros factores, de facto “obrigam a um maior acompanhamento dos alunos por parte dos professores”.
- É isso possível?
- Vai acontecer?
A minha experiência permite destacar alguns aspectos da realidade sobre os quais é necessário intervir, tendo em vista a aproximação à filosofia preconizada pelo processo de Bolonha.
É necessário:
1. Promover uma ética de rigor, disciplina e responsabilidade, com vista a um trabalho quotidiano, metódico e organizado. Essa mentalidade precisa ser incutida desde o 1º ano e a manter de forma consistente ao longo de todo o curso. É no quadro desses valores que se promove o construtivismo na aprendizagem, sejam os alunos crianças ou adultos. Não tenhamos medo das palavras: só uma acção disciplinadora permitirá operar mudanças significativas nos hábitos profundamente arreigados dos alunos. A assinatura de trabalhos nos quais não se teve efectiva participação, o jogo de falsificações de assinaturas nas folhas de registo de frequência às aulas, o abandono da sala a meio das aulas, sem justificação, são algumas das práticas, entre outras, que não são compatíveis com uma ética de responsabilidade.
2. Promover hábitos de estudo regular, no acompanhamento das matérias, que facilitem o processo de transferência de conhecimentos de uma aula para a seguinte, bem como a possibilidade de esclarecimento e aprofundamento das questões, em tempo real, à medida que vão surgindo. Isso implica o recurso a tarefas concretas, mesmo que limitadas, das quais os alunos devam prestar contas com regularidade.
3. Premiar de forma mais rigorosa o mérito de quem estuda e trabalha e penalizar quem é displicente ou tenta viver de forma parasitária à sombra de quem trabalha, nas várias actividades de grupo. As classificações devem distribuir-se por um espectro largo, discriminando de forma justa os diferentes níveis de mérito.
4. Sacudir a passividade e a atitude de reduzida disponibilidade para o esforço mental, conduzindo as aulas de forma a questionar os alunos, promovendo hábitos de pensamento e de participação: preparar questões-chave para as aulas, chamar alunos individualmente para exporem ideias/conhecimentos à turma. Nos trabalhos de grupo, nas aulas presenciais, é necessário questionar e interpelar de forma directa alunos que se apresentam alheados ou na mera expectativa do trabalho dos outros.
5. Contrariar uma orientação de estudo e de preparação para os momentos de avaliação, baseado na memorização em detrimento da compreensão, da análise, da síntese e da avaliação crítica. Isso requer a educação dos alunos para o valor do pensamento genuíno, bem como do conhecimento expresso em palavras próprias, e, por outro lado, a desvalorização das manifestações de memorização mecanicista sem discurso nem reflexão próprios.
6. Exigir nas várias situações de ensino-aprendizagem, qualquer que seja a unidade curricular, um esforço regular de comunicação oral e escrita adequadas, promovendo-se a linguagem como ferramenta de expressão e construção do pensamento, de ideias e de argumentos. Trata-se de modificar a situação actual de grande parte dos nossos alunos que apresentam um discurso oral muito pobre, sincopado, feito de proposições rudimentares e inacabadas e, por outro lado, um discurso escrito que se baseia na cópia das fontes disponíveis.
7. Promover competências de utilização mais criteriosa e com sentido crítico das novas tecnologias. Na utilização das novas tecnologias pelos nossos alunos há uma acentuada tendência para se tomar a forma como substituto do conteúdo. Vêem-se trabalhos, de conteúdo pobre e inaceitável, com uma apresentação muito sofisticada, dos quais se depreende estar subjacente a crença de que a qualidade reside essencialmente no grafismo, nas cores, nos pictogramas, nas imagens, nos efeitos especiais de movimento, etc.
8. Repensar sobre o papel da Internet na formação. O fenómeno de utilização da Internet como um importante recurso ao serviço do copy-paste, sendo transcritos, de forma desgarrada e desconexa, conteúdos que os alunos não compreendem nem se dão ao trabalho de compreender, não tem nada de formativo.
Os aspectos atrás referidos consubstanciam-se em quatro dimensões transversais de um currículo de formação renovado dos nossos alunos:
a) promover uma ética de rigor, disciplina e responsabilidade;
b) promover o hábito de pensar, pelo questionamento;
c) promover as competências de comunicação oral e escrita;
d) promover competências de pesquisa e de análise crítica da informação.

Joaquim Sá

Sem comentários:

Enviar um comentário