«O sociólogo de
Coimbra Elísio Estanque, que lança esta semana um livro sobre a praxe, afirmou
à agência Lusa que as instituições do ensino superior ainda assumem uma atitude
passiva perante o fenómeno.
"Parece
haver uma espécie de encolher de ombros" perante a praxe, quando as
universidades poderiam ter "um papel pedagógico muito mais proativo",
sublinhou Elísio Estanque, autor do livro "Praxe e Tradições
Académicas", editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e que é
apresentado na quarta-feira, em Coimbra.
Apesar de uma mudança de atitude
em relação à praxe por parte do atual Governo, "parece ainda haver alguma
resistência" por parte das instituições do ensino superior, notou,
defendendo que estas deveriam "investir muito mais em modalidades de
acolhimento e receção dos novos alunos".
Para o sociólogo, a proibição ou
a expulsão da praxe dos espaços da universidade não são solução para acabar com
episódios de maior violência, visto que os comportamentos acabam por se
perpetuar, "mesmo fora do espaço público", podendo "assumir
contornos eventualmente ainda mais obscuros".
No livro, Elísio Estanque enumera
os episódios de violência que foram mediatizados num passado recente, analisa o
contexto histórico da praxe e os rituais contemporâneos, aborda a juventude de
hoje, a "perversidade do poder" e a violência simbólica presente
neste fenómeno.
O livro acaba por ser "uma
reflexão" em torno da praxe e do que esta prática hoje diz "sobre a
juventude portuguesa e a sociedade portuguesa", sublinhou.
Ao analisar o fenómeno, o
sociólogo da Universidade de Coimbra constatou que, ao "contrário de
algumas ideias feitas acerca do individualismo", a praxe acaba por mostrar
"que os jovens dão importância ao grupo e de que a vida não tem muito
sentido sem o coletivo".
Os jovens chegam às universidades
e a integração pela praxe permite "aceder a um coletivo com uma certa
identidade, com uma certa coesão, que confere um sentido de segurança e de
identificação que é vital para um jovem".
Nesse contexto, a "dinâmica
de grupo marca a postura de cada um", assumindo-se uma certa excitação, em
que "a racionalidade individual tende a esbater-se em favor da dinâmica
coletiva", explanou.
Na praxe, o 'doutor' que praxa é,
ao mesmo tempo, "um camarada, um protetor", mas também a pessoa
autoritária que o pode humilhar ou obrigar a participar em jogos "macabros
no seu aparato".
"Funciona a lógica da
cenoura e do chicote junto dos jovens recém-chegados", referiu Elísio
Estanque.
De acordo com o sociólogo, a
maioria das situações que ocorrem na praxe "são inócuas, mas
simbolicamente preocupantes".
"Há uma naturalização da
disciplina e do autoritarismo arbitrário", realçou, considerando que, no
imaginário dos estudantes, está instalada como certa a ideia de que "a
sujeição ao poder é algo absolutamente necessário para se ter algum sucesso na
vida".
Essa ideia acaba por mostrar que
"há um grande défice de consciencialização sociopolítica por parte da
maioria da juventude, ao olhar com indiferença sobre práticas que
alegoricamente evocam situações terríveis".
"Acho que o fenómeno, pelas
proporções que tem assumido e pelos extremismos e incidentes, merecia uma atenção
maior por parte das instâncias de governação das universidades, o que não tem
acontecido até agora", concluiu.
A apresentação do livro decorre
no café Santa Cruz, em Coimbra, na quarta-feira, às 17:00.»
(reprodução de notícia NOTÍCIAS AO MINUTO, de 17 de outubro de 2016)
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