sábado, 8 de outubro de 2016

"Da fraqueza se fez força"

«Na UBI não acreditamos que a solução do Interior passe pelo encerramento de instituições no Litoral. Acreditamos que temos todas as condições para sermos uma universidade do mundo.

A Universidade da Beira Interior é aqui o caso em que da fraqueza se fez força. O aparecimento este ano na lista das mil melhores universidades da Times Higher Education (THE), mais concretamente entre as 600 e as 800, ao lado da secular Universidade de Salamanca, é um feito para uma pequena universidade que tem apenas 30 anos e se encontra no Interior de Portugal. A UBI junta-se com o ISCTE às seis universidades portuguesas que já antes constavam da lista da THE, todas elas situadas no Litoral, melhorando com isso o posicionamento do nosso ensino superior à escala mundial. Como foi possível?
Situada na Covilhã, a UBI é a universidade mais improvável de Portugal. Não está na capital de um círculo eleitoral à Assembleia da República, não tem distritais políticas por si, não tem tribunais de relação, nem indústrias de peso, não tem um bispo, nem catedral, nem sé, e não tem a sede de uma CCDR milionária. É a universidade mais subfinanciada no sistema de ensino superior português (25% abaixo do padrão) e é a que está mais longe de um aeroporto e das companhias low cost, tão importantes para a mobilidade internacional dos estudantes. Ainda hoje gabinetes governamentais e para-governamentais se enganam na sua identificação, denominação e localização, chamando-lhe, por exemplo, universidade da Covilhã, ou então julgando-a em Castelo Branco ou na Guarda.
Como é possível então que a UBI apareça num ranking tão prestigiado como o da Times Higher Education? Porque ao longo destes 30 anos tem sabido crescer em tamanho, ciência e sabedoria.
Das novas universidades foi a mais lenta no seu crescimento. Enquanto as outras cresceram rapidamente com a integração das Escolas do Magistério Primário e das Escolas de Enfermagem, presentes em todas as capitais de distrito, e apostaram fortemente na então necessária formação de professores para os ensinos básico e secundário, a UBI não teve nenhuma dessas escolas a adubá-la no seu crescimento. Hoje com a formação de professores praticamente congelada, a UBI não sofreu a correspondente diminuição de alunos. E beneficiou, é claro, da criação da Faculdade de Ciências da Saúde, nomeadamente do curso de Medicina no início deste século.
A UBI cresceu também em tamanho, recuperando, com verbas comunitárias, as antigas fábricas têxteis, entretanto já ruínas industriais, convertendo-as em faculdades. À excepção da Faculdade de Ciências da Saúde, as outras quatro faculdades, Artes e Letras, Sociais e Humanas, Ciências, Engenharia, encontram-se em antigas fábricas. Foi a recuperação extraordinária de um património urbano, eventualmente caso único no país. A matriz laboriosa da Covilhã, Cidade Neve, mantém-se no dia-a-dia da universidade. De manhã, quando nos levantamos, não são os teares que nos esperam, mas as salas de aula, as bibliotecas e os laboratórios.
Cresceu em ciência, apostando nas áreas canónicas do ensino universitário. Continua a prezar os departamentos universitários clássicos, como os de matemática, física e química, porque são um núcleo duro indispensável à formação sólida de um engenheiro ou de um profissional da saúde. Não cedeu à moda dos cursos híbridos, em que, respondendo aos ares dos tempos e aos facilitismos das múltiplas estações, criaria engenharias sem matemática e física, ou outros cursos estilo ramos de flores, sem tronco ou raízes. A UBI sempre cultivou a sustentável gravidade da ciência. Das instituições de ensino superior mais recentes a UBI é a que tem mais produção científica indexada (ISI, Scopus).
Mas teve sobretudo a capacidade de crescer com sabedoria. As novas universidades criadas em 1973 por Veiga Simão, Minho, Aveiro, Nova de Lisboa, Évora, em muito beneficiaram da vinda dos professores universitários de Angola e Moçambique, retornados a Portugal a seguir às respectivas independências. A UBI, criada 12 anos depois, já não teve essa oportunidade. Mas, quando se deu a queda do Muro de Berlim, e consequente crise económica nos países do Leste Europeu, a UBI soube ir buscar dezenas de excelentes cientistas à Polónia e à Rússia. Vieram matemáticos, físicos, professores de engenharia civil, mecânica e aeronáutica que colocaram a universidade num patamar científico superior.
E a UBI sempre soube inovar. Foi a primeira universidade a criar um curso de Engenharia Aeronáutica, um curso de Cinema, e a primeira a juntar na Faculdade de Artes e Letras o estudo, a investigação e o ensino das humanidades e dos meios digitais. Tem o jornal online mais antigo das instituições de ensino superior (o Urbi et Orbi, desde Janeiro de 2000), e a biblioteca online mais antiga (bocc.ubi.pt, 1999). E, sobretudo, soube inovar no ensino da Medicina, apostando num modelo arrojado, centrado no aluno e na resolução de problemas.
Mas verdadeiramente a inclusão da UBI na lista da Times Higher Education é o reconhecimento de uma instituição cujo ser vai muito além do parecer. Não conheço ninguém que tenha visitado a UBI e não tenha ficado visivelmente surpreendido. Desde logo pelas instalações, pela Biblioteca, digna de uma Ivy League, pelos laboratórios, equipados e com vida, pela Reitoria instalada num convento do século XVI com uma vista magnífica, pelos espaços comuns de restauração, lazer e desporto. E depois, o mais importante, pelo ambiente de estudo, pela seriedade da vida académica e sobriedade de gestão. Estou convencido de que, pegando na lista da THE e ordenando-a apenas por custo de aluno, a UBI ficaria nos lugares de topo. A UBI em 2015 recebeu do OE 3356 euros por aluno inscrito contra 3700 das universidades do Porto e de Lisboa. Em Espanha não há universidade com menos de 6000 euros por aluno.
Obviamente que a UBI enfrenta o risco da progressiva e inevitável falta de alunos. É um problema já candente nas instituições de ensino no Interior do país, mas sê-lo-á também, num futuro não longínquo, para as universidades do Litoral. É que das mil turmas que encerraram este ano no ensino básico e secundário já foram poucas as do Interior, porque no Interior já são poucas as existentes. Na UBI não acreditamos que a solução do Interior de Portugal passe pelo encerramento de instituições no Litoral. Acreditamos sim que temos todas as condições para sermos uma universidade do mundo, e em particular do mundo dos 260 milhões de falantes do português, no Brasil, em Angola, Moçambique e outros PALOP. Estamos a caminho dos mil estudantes estrangeiros e a intenção é termos sempre uma captação de alunos internacionais superior à perda demográfica nacional.»


  António Fidalgo
  Reitor da Universidade da Beira Interior

 (reprodução de artigo de opinião PÚBLICO online, de  07/10/2016)

[cortesia de Nuno Soares da Silva]

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