quarta-feira, 4 de novembro de 2015

"Portugal já não é só um país de sol e praia. As universidades estão cada vez mais na rota dos estrangeiros …"

«Da Austrália, ao Curdistão iraquiano, passando pela Líbia
Portugal já não é só um país de sol e praia. As universidades estão cada vez mais na rota dos estrangeiros que vêm não só para estudar como também para descobrir o mundo.

Assim que chegou, o “primeiro grande choque” foi ver que os portugueses não tinham a aparência que pensara. “No Médio Oriente julgamos que os europeus são todos loiros e de olhos azúis, mas quando cheguei apercebi-me que os portugueses até são parecidos aos iraquianos, morenos e de olhos castanhos”. As semelhanças físicas são tantas que toda a gente se dirige a si convicta de que é portuguesa. 
Hawreen é a primeira mulher curdo-iraquiana a tirar um doutoramento em Portugal e a experiência tem sido muito boa. “´É o país mais pacífico que conheci até hoje”, confessa a estudante que veio já há dois anos para estudar Engenharia Civil, no Instituto Superior Técnico. No início, conta, “tinha muito cuidado na forma como falava e como agia”, porque sabia que poderia existir um estereótipo de que os iraquianos são agressivos. Com o tempo, começou a comportar-se naturalmente, adaptando-se facilmente às pessoas e à universidade. “E Sintra... Sintra tem um lugar especial no coração. Faz-me embrar o cheiro fresco das montanhas do meu país, no norte do Iraque”, suspira. 
A história de vida de Hawreen confunde-se com a de muitos curdos, um povo que tem sido perseguido “desde sempre” naquele país. “A minha família sempre foi vítima de guerras: perdi o meu pai e três tios. Lutamos para sobreviver, para nos defendermos.
Mas não faço da minha história um caso especial, porque muitas outras famílias passaram e passam pelo mesmo. É o normal”, explica, acrescentando que as lutas travadas no seu país envolvem sempre interesses económicos - e a religião é apenas um embuste - de todo o lado, motivados pelo petrólero. “O Iraque é como uma mesa de onde todos comem”, lamenta a jovem. Hawreen conta ainda que o facto de estar a estudar longe de casa fê-la perceber o quão atrasado, a vários níveis, é o seu país. “Sinto isso na pele todos os dias”.
Agora, o principal problema do Iraque, resume, é que não se consegue “reprogramar o cérebro de alguém que viveu uma guerra”, nem tão pouco se conseguem “sarar feridas de quem perdeu tudo”. “Imagina alguém que perdeu a família, a casa e o emprego, e que é posta de parte pelo governo, depois dos EUA terem deixado tudo destruído. E depois há um grupo [ISIS] que te aceita e que te promete um futuro”. É assim que Hawreen olha para o crescimento do autoproclamado Estado Islâmico, a actual grande ameaça do povo curdistão. “Há muita revolta e espírito de vingança. E armas à disposição...”. Sobre a crise dos refugiados do Médio Oriente, Hawreen diz-nos que apesar de  se ter intensificado agora, aqueles movimentos migratórios sempre existiram. “São pessoas que estão fartas dos regimes políticos onde vivem e que procuram uma vida melhor, e têm esse direito”, responde de forma assertiva. 
A mágoa de Hawreen não a faz, porém, desistir do seu país. E, embora não saiba o que o “futuro lhe reserva”, quando terminar os estudos, pensa regressar e tornar-se professora universitária. “Há três anos estava longe de imaginar que iria estudar num país europeu. E agora aqui estou a conversar contigo”. 
Do outro lado do mundo Ao contrário de Hawreen, Geordie já conhecia bem Portugal e os portugueses. Antes de se lançar no mestrado de Engenharia Naval, também no IST, jogou rugby por cá, durante dois anos. “Apercebi-me que não estava feliz com as perspectivas do primeiro curso que tirei, em Engenharia Mecânica. Percebi que tinha de me especializar nalguma coisa”, conta-nos, confessando que o “interesse por barcos e navegação” o fizeram querer ficar mais tempo em terras lusas. 
Apesar de pagar uma propina anual de 7000 euros, sete vezes mais do que os estudantes europeus pagam, Geordie acaba por pagar um preço muito inferior ao que é praticado na Austrália. Adaptou-se “perfeitamente” ao mundo académico, embora reconheça que fora da universidade, em casa,  as coisas não sejam assim tão simples para quem estuda noutro país: o apoio da família e dos amigos mais chegados é o que mais falta lhe faz. Mesmo assim, não tem qualquer dúvida de que a experiência tem contribuído, e muito, para o crescimento pessoal. “As vantagens superam largamente as desvantagens”. Espera terminar o curso dentro de dois anos e, depois disso, procurar por oportunidades de trabalho, não necessariamente em Portugal ou na Austrália, mas de certeza por esses mares fora. Nessa altura, um pastel de nata e uma bica como pequeno-almoço é uma coisa que vai sentir muita falta, prevê Geordie. 
Uma noiva à espera Saad Howaiw é líbio e já tinha estudado em Lisboa durante o ano passado. A sua faculdade e o Instituto Superior Técnico tinham um intercâmbio, mas “infelizmente” esse acordo entre as universidades terminou e tiveram, ele e os seus colegas, de regressar para a Líbia. Este ano voltou por si só e por isso paga uma propina de sete mil euros anuais, tal como Geordie. Saad considera o custo de vida português barato, comparado com o do seu país. Mas nem tudo são rosas: “Ninguém imagina como é difícil estudar longe da família e amigos, e estar sempre preocupado com a segurança  na Líbia”, desabafa o jovem.
Por outro lado, “vim para aqui para desenvolver o meu conhecimento e descobrir o mundo. Lisboa é o portão para o meu futuro”, sintetiza. Daqui a dois anos, quando terminar o mestrado em Engenharia Civil, vai regressar ao país e casar com a namorada, que está à sua espera e de quem tem, naturalmente, muitas saudades. Sobre os portugueses, encontra algumas diferenças, mas a que lhe salta mais à vista é a religiosa , ou não viesse Saad de um país islâmico.»

(reprodução de notícia jornal i online, de 4 de Novembro de 2015)

[cortesia de Nuno Soares da Silva]

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