«Entre estudantes e investigadores, estudam e trabalham na Universidade de Coimbra 2123 brasileiros
A relação é centenária. Talvez Manuel Paiva Cabral, que chegou à cidade em 1577, para estudar Leis, tenha elogiado o ensino da instituição, destacado a hospitalidade dos portugueses ou reclamado do clima, como Bruno, Clara, Jessica e José fazem quase 450 anos depois. Desde a chegada do primeiro, no último quartel do século XVI, a Universidade de Coimbra (UC) não parou de receber brasileiros: hoje são 2123 estudantes e investigadores, a maior comunidade canarinha num estabelecimento de ensino superior fora do Brasil, e perfazem quase 10% da academia coimbrã.
Não é surpresa: os brasileiros ocupam a maior fatia das 86 nacionalidades estrangeiras inscritas nas pautas de estudantes da Universidade de Coimbra. Os laços entre Portugal e a ex-colónia perduram desde os tempos de Manuel Paiva Cabral, o primeiro de que há registo nos arquivos universitários. Até à independência, em 1822, não era permitida a existência de escolas de ensino superior no Brasil (só no século XX lá foi inaugurada a primeira universidade). E a ligação histórica fez os brasileiros "regressarem em força nos últimos anos", conta o reitor da instituição, João Gabriel Silva.
Bruno, Clara, Jessica e José, já se disse, são os exemplos dessa nova geração que vai espalhando o português açucarado do Brasil pelas ruas de Coimbra. Todos com percursos diferentes e elogios quase idênticos à cidade que os acolheu. Uns há muito ambicionavam estudar em Coimbra. E outros chegaram quase por acaso.
Palavra a José Prado, de 34 anos, investigador de robótica, no Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores da Faculdade de Ciências e Tecnologias (FCTUC), que "nunca tinha ouvido falar da Universidade de Coimbra", até um amigo lha recomendar para fazer o doutoramento. "Ele deu-me um contacto de um professor daqui e começámos a falar por e-mail. Pesquisei e gostei. Quando vim para cá, percebi que a universidade tem muito bons professores na área da Engenharia e que há muitas vantagens para quem faz investigação, é muito mais fácil ter acesso a publicações e participar em conferências internacionais", descreve, ao DN.
Desde a chegada, já se passaram nove anos: José casou com uma portuguesa, teve dois filhos e adquiriu a dupla nacionalidade. "Fui ficando e apaixonei-me por Portugal", revela o investigador, que está a trabalhar num projeto europeu de robôs autónomos para desminagem em antigos cenários de guerra. Para ele, regressar ao Brasil já não faz parte dos planos.
Com Bruno Dalmazo passa-se o contrário: o regresso é certo. Veio para Coimbra há quatro anos, fazer o doutoramento no Departamento de Engenharia de Informática da FCTUC (a faculdade que mais brasileiros acolhe), ao abrigo do programa Ciência sem Fronteiras, suportado pelo governo brasileiro. E terá de regressar e trabalhar nessa área pelo mesmo período pelo qual ganhou a bolsa. "Quando acabamos, levamos a nossa bagagem de volta e distribuímo-la. É justo", diz o doutorando, a trabalhar em segurança em cloud computing (armazenamento de dados em servidores virtuais).
No fundo, não é uma realidade muito diferente de quando a UC era a única escola que formava os "servidores do império português" (administradores, juízes, governadores, toda a estrutura burocrática). A hegemonia da instituição levou a que quase todos os fundadores da pátria brasileira (incluindo "o patriarca da independência", José Bonifácio de Andrade e Silva) tenham estudado à beira-Mondego.
Há até vários historiadores que defendem que foi isso que permitiu que o Brasil se mantivesse um só país e não se desmembrasse em vários, como a antiga colónia espanhola na América do Sul (onde cada elite formada nas universidades locais avançou para a formação do seu país). "Dizem que a cola ideológica e de afeto dada pela passagem por Coimbra foi essencial", resume João Gabriel Silva.
Importância económica
Hoje, "a aura quase mítica que Coimbra mantém no imaginário brasileiro" continua a conquistar novos estudantes, como diz o reitor. É gente como Jessica Neves, aluna do 1.º ano de Jornalismo, seduzida pela possibilidade de estudar numa "universidade de nome internacional, que se abre ao mundo inteiro". Ou como Clara Marcondes, que sempre quis conhecer "uma cidade universitária tradicional" e neste ano trocou a licenciatura em Relações Internacionais por Jornalismo.
Ambas vieram para Portugal depois de realizarem o exame nacional de ensino médio no Brasil. É por essa via, à saída do ensino secundário, que a UC vai tentando conquistar cada vez mais estudantes internacionais. "Temos feito sessões de divulgação no Brasil, em feiras e escolas pré-universitárias", explica João Gabriel Silva, ciente da importância financeira da captação de novos alunos internacionais, pelo concurso normal, que "rende um bocado mais de dois milhões de euros por ano, e poderá chegar aos 20 milhões anuais". A maioria dos brasileiros chega através de programas de mobilidade. Mas no ano passado foram 100 e neste ano 200 a matricularem-se através do concurso internacional, que obriga ao pagamento de sete mil euros anuais de propinas.
Clara e Jessica vieram há pouco mais de um ano. E, apesar de tudo o que já tinham ouvido falar (principalmente Clara, com primos portugueses, da família paterna), só então entenderam o que é que Coimbra tem. "Só depois de assistir a uma serenata ou de participar nas festas dos estudantes se compreende", justifica Clara Marcondes, embrenhada num "centro onde tudo acontece, que tem muita gente disposta a ajudar e muitos eventos dirigidos a jovens". As estudantes de Jornalismo lá se vão envolvendo nas atividades promovidas pelas secções culturais da Associação Académica de Coimbra. Essa aproximação é comum a muitos compatriotas. "A relação entre Coimbra e Brasil não é unidirecional. O reitor reformador Francisco de Lemos [executor da reforma pombalina, a partir de 1772] era natural do Brasil. E há teorias de que o grito característico de Coimbra, o éfe-érre-á, teve origem no Brasil ou de que o fado-canção de Coimbra tem influência brasileira", descreve João Gabriel Silva.
Com essa partilha lucram todos. "Quando se tem uma situação nova, burocrática ou académica, acha-se sempre algum colega que já passou por isso e ameniza a dificuldade", conta Bruno. "Conhecendo tantos alunos brasileiros passei a conhecer melhor o meu país do que quando saí dele", acrescenta Clara. E, entre elogios à "recetividade" dos portugueses e à segurança do país, só sobram queixas delas quanto ao clima (eles são do Sul do Brasil, estavam habituados ao frio). "O primeiro inverno é bem complicado. Tenho amigos que chegaram neste ano e já estão reclamando do frio do outono, não sabem o que está para chegar...", atira Jessica. Mas, no final, conclui José, o balanço é é sempre positivo: "Nesses anos cresci muito."»
Desde a chegada, já se passaram nove anos: José casou com uma portuguesa, teve dois filhos e adquiriu a dupla nacionalidade. "Fui ficando e apaixonei-me por Portugal", revela o investigador, que está a trabalhar num projeto europeu de robôs autónomos para desminagem em antigos cenários de guerra. Para ele, regressar ao Brasil já não faz parte dos planos.
Com Bruno Dalmazo passa-se o contrário: o regresso é certo. Veio para Coimbra há quatro anos, fazer o doutoramento no Departamento de Engenharia de Informática da FCTUC (a faculdade que mais brasileiros acolhe), ao abrigo do programa Ciência sem Fronteiras, suportado pelo governo brasileiro. E terá de regressar e trabalhar nessa área pelo mesmo período pelo qual ganhou a bolsa. "Quando acabamos, levamos a nossa bagagem de volta e distribuímo-la. É justo", diz o doutorando, a trabalhar em segurança em cloud computing (armazenamento de dados em servidores virtuais).
No fundo, não é uma realidade muito diferente de quando a UC era a única escola que formava os "servidores do império português" (administradores, juízes, governadores, toda a estrutura burocrática). A hegemonia da instituição levou a que quase todos os fundadores da pátria brasileira (incluindo "o patriarca da independência", José Bonifácio de Andrade e Silva) tenham estudado à beira-Mondego.
Há até vários historiadores que defendem que foi isso que permitiu que o Brasil se mantivesse um só país e não se desmembrasse em vários, como a antiga colónia espanhola na América do Sul (onde cada elite formada nas universidades locais avançou para a formação do seu país). "Dizem que a cola ideológica e de afeto dada pela passagem por Coimbra foi essencial", resume João Gabriel Silva.
Importância económica
Hoje, "a aura quase mítica que Coimbra mantém no imaginário brasileiro" continua a conquistar novos estudantes, como diz o reitor. É gente como Jessica Neves, aluna do 1.º ano de Jornalismo, seduzida pela possibilidade de estudar numa "universidade de nome internacional, que se abre ao mundo inteiro". Ou como Clara Marcondes, que sempre quis conhecer "uma cidade universitária tradicional" e neste ano trocou a licenciatura em Relações Internacionais por Jornalismo.
Ambas vieram para Portugal depois de realizarem o exame nacional de ensino médio no Brasil. É por essa via, à saída do ensino secundário, que a UC vai tentando conquistar cada vez mais estudantes internacionais. "Temos feito sessões de divulgação no Brasil, em feiras e escolas pré-universitárias", explica João Gabriel Silva, ciente da importância financeira da captação de novos alunos internacionais, pelo concurso normal, que "rende um bocado mais de dois milhões de euros por ano, e poderá chegar aos 20 milhões anuais". A maioria dos brasileiros chega através de programas de mobilidade. Mas no ano passado foram 100 e neste ano 200 a matricularem-se através do concurso internacional, que obriga ao pagamento de sete mil euros anuais de propinas.
Clara e Jessica vieram há pouco mais de um ano. E, apesar de tudo o que já tinham ouvido falar (principalmente Clara, com primos portugueses, da família paterna), só então entenderam o que é que Coimbra tem. "Só depois de assistir a uma serenata ou de participar nas festas dos estudantes se compreende", justifica Clara Marcondes, embrenhada num "centro onde tudo acontece, que tem muita gente disposta a ajudar e muitos eventos dirigidos a jovens". As estudantes de Jornalismo lá se vão envolvendo nas atividades promovidas pelas secções culturais da Associação Académica de Coimbra. Essa aproximação é comum a muitos compatriotas. "A relação entre Coimbra e Brasil não é unidirecional. O reitor reformador Francisco de Lemos [executor da reforma pombalina, a partir de 1772] era natural do Brasil. E há teorias de que o grito característico de Coimbra, o éfe-érre-á, teve origem no Brasil ou de que o fado-canção de Coimbra tem influência brasileira", descreve João Gabriel Silva.
Com essa partilha lucram todos. "Quando se tem uma situação nova, burocrática ou académica, acha-se sempre algum colega que já passou por isso e ameniza a dificuldade", conta Bruno. "Conhecendo tantos alunos brasileiros passei a conhecer melhor o meu país do que quando saí dele", acrescenta Clara. E, entre elogios à "recetividade" dos portugueses e à segurança do país, só sobram queixas delas quanto ao clima (eles são do Sul do Brasil, estavam habituados ao frio). "O primeiro inverno é bem complicado. Tenho amigos que chegaram neste ano e já estão reclamando do frio do outono, não sabem o que está para chegar...", atira Jessica. Mas, no final, conclui José, o balanço é é sempre positivo: "Nesses anos cresci muito."»
(reprodução de notícia DIÁRIO DE NOTÍCIAS online, de 9 de novembro de 2015)
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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