«No mundo da ciência, os trabalhos maus são eliminados durante a avaliação por pares. No caso da nossa agência financiadora, ela foi avaliada por quatro peritos contratados pelo Ministério da Educação e Ciência e, sem surpresa, apresenta uma apreciação favorável do desempenho da “Finis coronat opus”! Depois de iniciado há dois anos, o processo da avaliação dos centros de investigação terminará no próximo mês. As unidades que contestaram o financiamento atribuído pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) terão de apresentar o plano de atividades 2015-2017 adaptadas ao orçamento efetivamente disponível. Apesar de quase metade dos centros financiados não ter concordado com os montantes propostos, esta última fase do processo não levantou uma vaga de protestos semelhante à do verão passado, quando metade das unidades foi eliminada da competição pelos recursos financeiros. Das duas, uma: ou a etiqueta de qualidade é mais importante do que o apoio financeiro ou os centros de investigação e desenvolvimento (I&D), resignados e fartos de um processo marcado por ambiguidades e numerosos vícios de forma, procuram outras vias para se financiar.
A atribuição da substancial parte de financiamento das unidades de I&D aos projetos estratégicos apresentados pelas mesmas unidades, sem serem conhecidos à partida os limites monetários ou regras precisas, é o melhor exemplo daquilo que não se deve fazer, isto é, criar disparidades no financiamento, na realidade pouco competitivo. Trata-se mais de um financiamento das instituições do que de ideias propriamente ditas, tal como ocorre num projeto de investigação. É óbvio que num prazo de três anos é praticamente impossível assegurar a coerência interna do projeto aglutinador da atividade de vários grupos de trabalho.
Mesmo sendo pouco detalhado, o Regulamento de Financiamento não foi respeitado, no que se refere à sua estrutura e aos montantes aprovados para o triénio 2015-2017. Na carta justificativa, os gestores da FCT explicam esta situação de forma curiosa: “Tendo a FCT constatado que o financiamento total solicitado para a execução dos planos estratégicos do conjunto das unidades de I&D ultrapassava largamente a dotação orçamental disponível (…), a FCT assumiu como base para o cálculo do financiamento total a atribuir o financiamento estratégico solicitado por cada unidade.” Dir-se-ia que é uma consequência direta da situação em que os limites financeiros dos projetos estratégicos não foram definidos. Questionada sobre se a próxima avaliação dos centros assegurará a proporcionalidade entre as verbas atribuídas e os resultados produzidos, a FCT permanece muda.
Efetivamente, será muito difícil de esperar que um centro com o financiamento “per capita” por exemplo dez vezes superior ao seu competidor produza dez vezes mais ou melhor de que este competidor.
Provavelmente a cumprir uma agenda política, a FCT decidiu recentemente afirmar o seu papel da guardiã de excelência e competitividade e de altos valores éticos. O envio de dois documentos – “Resultados da avaliação e auto-avaliação” e “Proposta de Código de Conduta Responsável em Investigação Científica – só pode servir estas nobres aspirações. Na Proposta de Código, define-se a má ciência como a resultante de erros metodológicos ou de outra natureza, interpretação errada de dados, erro na prova, negligência ou comportamento eticamente censurável. É difícil não associar estas definições a numerosos casos de metodologia mal concebida e sujeita a alterações oportunistas e análise superficial dos materiais apresentados, que ocorreram durante a avaliação das unidades de investigação. No mundo da ciência, os trabalhos maus são eliminados durante a avaliação por pares. No caso da nossa agência financiadora, em contraste com o documento “Resultados da avaliação e auto-avaliação”, a avaliação foi feita por quatro peritos contratados pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) e, sem surpresa, apresenta uma apreciação qualitativa geralmente favorável do desempenho da fundação. O documento está em contraste com o número de reclamações e críticas, apresentadas após a divulgação dos resultados dos concursos.
Embora a FCT não corra o risco de declarar a insolvência, a semelhança com o sector financeiro, em que os bancos em situação periclitante, foram muito positivamente avaliados por auditores de grande prestígio, é grande. Os exercícios de relações públicas, que visam melhorar a imagem da instituição por via da promoção de valores éticos (em si uma iniciativa louvável), de compromisso com a excelência e da avaliação encomendada não melhoram necessariamente as relações com o meio académico. Antes pelo contrário, irritam e criam mais desconfiança quando lançados em associação com medidas no mínimo controversas. O mesmo vale para as declarações sobre o incondicional apoio à inovação e criatividade, não acompanhadas pelo delineamento inovador dos concursos, que deveriam premiar o que é de mais original e relevante na investigação.
O hábito nacional de investir na ciência e no conhecimento, promovido por José Mariano Gago, permitiu afirmar Portugal como um parceiro de qualidade em todos os domínios de I&D. Os dados da dinâmica de crescimento da produção científica no pais comprovam-no claramente e são de conhecimento geral. No entanto, as limitações orçamentais impostas nos últimos anos constituem um enorme desafio para o MEC e a FCT, isto é, o desafio de não desperdiçar as conquistas das últimas duas décadas. As experiências que vivemos durante o ultimo mandato da presidência da FCT não são tranquilizadoras. Há medidas, tanto dentro como fora do sistema científico, que devem ser adoptadas para que o dinheiro público investido traga o retorno desejado. A título de exemplo:
1. Criar um quadro legal/financeiro específico para I&D. No atual sistema, as unidades e os seus projetos de investigação, executados no âmbito de instituições públicas, não diferem dos projetos de edifícios, pontes ou estradas a cargo do Estado. Em consequência, a alucinante mutação das normas, que regem estas atividades, acarreta um desperdício de tempo gigantesco para os cientistas responsáveis, forçados a dedicar o grosso do seu tempo à gestão administrativa;
2. Separar organicamente a avaliação da I&D do financiamento das unidades e dos projetos numa nova FCT, separada do MEC, tal como proposto no relatório de avaliação dos quatro peritos. Trata-se de duas tarefas de grande envergadura que, como mostram os últimos exemplos, dão um grande poder ao decisor e ultrapassam a capacidade da FCT no seu quadro atual. A existência duma agência de “ranking” responsável pela avaliação dos centros e dos projetos e outra responsável tecnicamente pela gestão do financiamento pouparia muito “stress” aos investigadores e aos gestores da I&D.»
A atribuição da substancial parte de financiamento das unidades de I&D aos projetos estratégicos apresentados pelas mesmas unidades, sem serem conhecidos à partida os limites monetários ou regras precisas, é o melhor exemplo daquilo que não se deve fazer, isto é, criar disparidades no financiamento, na realidade pouco competitivo. Trata-se mais de um financiamento das instituições do que de ideias propriamente ditas, tal como ocorre num projeto de investigação. É óbvio que num prazo de três anos é praticamente impossível assegurar a coerência interna do projeto aglutinador da atividade de vários grupos de trabalho.
Mesmo sendo pouco detalhado, o Regulamento de Financiamento não foi respeitado, no que se refere à sua estrutura e aos montantes aprovados para o triénio 2015-2017. Na carta justificativa, os gestores da FCT explicam esta situação de forma curiosa: “Tendo a FCT constatado que o financiamento total solicitado para a execução dos planos estratégicos do conjunto das unidades de I&D ultrapassava largamente a dotação orçamental disponível (…), a FCT assumiu como base para o cálculo do financiamento total a atribuir o financiamento estratégico solicitado por cada unidade.” Dir-se-ia que é uma consequência direta da situação em que os limites financeiros dos projetos estratégicos não foram definidos. Questionada sobre se a próxima avaliação dos centros assegurará a proporcionalidade entre as verbas atribuídas e os resultados produzidos, a FCT permanece muda.
Efetivamente, será muito difícil de esperar que um centro com o financiamento “per capita” por exemplo dez vezes superior ao seu competidor produza dez vezes mais ou melhor de que este competidor.
Provavelmente a cumprir uma agenda política, a FCT decidiu recentemente afirmar o seu papel da guardiã de excelência e competitividade e de altos valores éticos. O envio de dois documentos – “Resultados da avaliação e auto-avaliação” e “Proposta de Código de Conduta Responsável em Investigação Científica – só pode servir estas nobres aspirações. Na Proposta de Código, define-se a má ciência como a resultante de erros metodológicos ou de outra natureza, interpretação errada de dados, erro na prova, negligência ou comportamento eticamente censurável. É difícil não associar estas definições a numerosos casos de metodologia mal concebida e sujeita a alterações oportunistas e análise superficial dos materiais apresentados, que ocorreram durante a avaliação das unidades de investigação. No mundo da ciência, os trabalhos maus são eliminados durante a avaliação por pares. No caso da nossa agência financiadora, em contraste com o documento “Resultados da avaliação e auto-avaliação”, a avaliação foi feita por quatro peritos contratados pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) e, sem surpresa, apresenta uma apreciação qualitativa geralmente favorável do desempenho da fundação. O documento está em contraste com o número de reclamações e críticas, apresentadas após a divulgação dos resultados dos concursos.
Embora a FCT não corra o risco de declarar a insolvência, a semelhança com o sector financeiro, em que os bancos em situação periclitante, foram muito positivamente avaliados por auditores de grande prestígio, é grande. Os exercícios de relações públicas, que visam melhorar a imagem da instituição por via da promoção de valores éticos (em si uma iniciativa louvável), de compromisso com a excelência e da avaliação encomendada não melhoram necessariamente as relações com o meio académico. Antes pelo contrário, irritam e criam mais desconfiança quando lançados em associação com medidas no mínimo controversas. O mesmo vale para as declarações sobre o incondicional apoio à inovação e criatividade, não acompanhadas pelo delineamento inovador dos concursos, que deveriam premiar o que é de mais original e relevante na investigação.
O hábito nacional de investir na ciência e no conhecimento, promovido por José Mariano Gago, permitiu afirmar Portugal como um parceiro de qualidade em todos os domínios de I&D. Os dados da dinâmica de crescimento da produção científica no pais comprovam-no claramente e são de conhecimento geral. No entanto, as limitações orçamentais impostas nos últimos anos constituem um enorme desafio para o MEC e a FCT, isto é, o desafio de não desperdiçar as conquistas das últimas duas décadas. As experiências que vivemos durante o ultimo mandato da presidência da FCT não são tranquilizadoras. Há medidas, tanto dentro como fora do sistema científico, que devem ser adoptadas para que o dinheiro público investido traga o retorno desejado. A título de exemplo:
1. Criar um quadro legal/financeiro específico para I&D. No atual sistema, as unidades e os seus projetos de investigação, executados no âmbito de instituições públicas, não diferem dos projetos de edifícios, pontes ou estradas a cargo do Estado. Em consequência, a alucinante mutação das normas, que regem estas atividades, acarreta um desperdício de tempo gigantesco para os cientistas responsáveis, forçados a dedicar o grosso do seu tempo à gestão administrativa;
2. Separar organicamente a avaliação da I&D do financiamento das unidades e dos projetos numa nova FCT, separada do MEC, tal como proposto no relatório de avaliação dos quatro peritos. Trata-se de duas tarefas de grande envergadura que, como mostram os últimos exemplos, dão um grande poder ao decisor e ultrapassam a capacidade da FCT no seu quadro atual. A existência duma agência de “ranking” responsável pela avaliação dos centros e dos projetos e outra responsável tecnicamente pela gestão do financiamento pouparia muito “stress” aos investigadores e aos gestores da I&D.»
TOMASZ BOSKI
(Coordenador do Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve)
[reprodução de artigo de opinião, datado de 27 de agosto de 2015]
[cortesia de Nuno Soares da Silva]
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