terça-feira, 24 de março de 2015

"CONSÓRCIOS: POTENCIAR OU RACIONAR?"

«Tomamos conhecimento, mais uma vez de forma indireta, do anteprojeto de Decreto-Lei sobre os consórcios entre instituições de ensino superior públicas. Trata-se de um documento que demonstra vários perigos, em particular no afastamento da governação da representação.
Numa análise mais detalhada, damos destaque aos objetivos (artigo 3.º) que passam pela cooperação, coordenação da oferta formativa, coordenação e partilha de recursos humanos e materiais, partilha de serviços, e mobilidade de estudantes, pessoal docente e não docente. A questão da coordenação da oferta formativa havia já sido levantada pelo anterior Secretário de Estado, João Queiró, nomeadamente no seu despacho referente às vagas, onde no capítulo VI estabelece as questões de coordenação regional, com identificação do agrupamento das instituições relativamente às áreas de coordenação regional (identificadas no artº 18º). Vemos que a formulação passa a ser indicada através de consórcios preferencialmente integrados na mesma região (NUTS II). As distâncias entre instituições podem colocar vários problemas à intenção de mobilidade de estudantes e docentes, nomeadamente num quadro tão alargado. A lógica parece demonstrar a vontade de racionar o sistema (limitar a quantidade), em detrimento de uma lógica mais sustentável, que tenha em conta a capacidade instalada.
Para uma matéria de tanto impacto na vida das instituições é estranho que a constituição de consórcios deva ser aprovada por maioria absoluta dos membros do conselho geral de cada instituição (artigo 8.º), sendo de refletir se, dada a importância desta matéria, não seria de requerer uma maioria de 2/3, já para não falar de um envolvimento de toda a academia que não se esgota nos conselhos gerais.
Em termos dos três tipos de consórcios identificados nos artigos 5.º e 6.º, parece-nos ser criado um estranho ranking, que pode bem vir a servir de aviso às instituições. Temos assim consórcios entre universidades ou universidades e institutos universitários; entre institutos politécnicos e universidades ou institutos universitários (chamados neste caso de Academia); e entre institutos politécnicos.
Um dos aspetos mais problemáticos tem a ver com o afastamento da coordenação da representatividade de docentes, funcionários e alunos. A estrutura orgânica (artigo 12.º) com um conselho de coordenação (composto pelos presidentes ou reitores e presidentes de conselhos gerais das instituições consorciadas), a figura do coordenador do consórcio (personalidade externa escolhida por unanimidade (artigo 15.º), bem como a comissão executiva (constituída por um representante de cada instituição designado pelo presidente ou reitor) indiciam várias falhas na visão do que é o Ensino Superior. Muitas dessas falhas já foram apontadas em relação ao funcionamento dos conselhos gerais, mas a situação agrava-se com este modelo de consórcio. A ideia do coordenador como personalidade externa pode ajudar a perceber bem algum dos erros, chamando a tarefas decisivas personalidade que podem desconhecer por completo a realidade do ensino superior. Em Portugal confunde-se demasiadas vezes a figura de mecenas e patrono com a de dirigente e coordenador. A razão pela qual um mecenas tem sucesso é pela sua capacidade de conhecer a sua área de negócio, de ter conseguido um contexto favorável e tomado as decisões acertadas. Para que possa continuar a ter a capacidade de sucesso na sua área de negócios convém que não se dedique à coordenação de um consórcio como passatempo. Pode ser uma tentativa perigosa de conduzir dois veículos ao mesmo tempo...
Uma palavra final sobre a possibilidade dos consórcios poderem ser criados também por iniciativa do governo (artigo 21.º). Parece ser uma espécie de espada de Dâmocles a pairar sobre quem possa não seguir com a vontade governativa. Sobre a visão de respeito pela autonomia das instituições de ensino superior estamos conversados. Ela é aliás visível no quotidiano de asfixia financeira imposta às instituições que serve como rédea curta.»

(reprodução de texto disponível em InfoSNESup 227, Newsletter, MARÇO de 2015 – 1ª quinzena)

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