segunda-feira, 21 de março de 2016

“O ensino superior está financiado muito abaixo daquilo que seriam as necessidades”

«O reitor da Universidade de Lisboa critica a falta de aposta no ensino superior nos últimos anos.

O reitor da Universidade de Lisboa critica a falta de aposta no ensino superior nos últimos anos. Faz comparações internacionais dos custos dos alunos para dizer que é muito fácil justificar o aumento da dotação orçamental em Portugal. Não se pronuncia sobre o congelamento da propina máxima porque diz que é uma questão “política”. E entende que “não pode ficar fora da Universidade, por razões económicas, ninguém que tenha capacidade para fazer um curso superior e tenha vontade de o fazer”.
As dotações orçamentais mantêm-se no OE 2016. Pode dizer-se que o ensino superior está subfinanciado?
O ensino superior em Portugal, há dez anos, tinha um financiamento que era o dobro do que é hoje. E 2006 nem sequer foi um ano de financiamento excepcional, correspondia a uma dotação do OE que vinha, mais ou menos, constante de mais de uma década. Desde essa altura, as universidades portuguesas perderam cerca de 50% do financiamento. As universidades trabalham com um financiamento por aluno que é muito mais baixo do que os nossos parceiros europeus, para não falar das universidades americanas. Há universidades americanas - MIT, Harvard, etc. – que têm um financiamento que é três ou quatro vezes superior a todas as universidades portuguesas juntas e o MIT, por exemplo, tem 10 mil alunos.

Então está subfinanciado?
O ensino superior está financiado muito abaixo daquilo que seriam as necessidades, mesmo para manter no sistema os alunos que temos hoje. Costumo dizer que um terço dos alunos está na universidade graças às receitas próprias que as universidades conseguem angariar. No ano passado, a Universidade de Lisboa, que tem cerca de 50 mil alunos, tinha uma dotação do Orçamento do Estado de 170 milhões de euros e os salários do pessoal eram 220 milhões de euros. Isto sem falar das despesas para cobrir o funcionamento normal: energia eléctrica, água, segurança, limpeza, investimento, renovação de equipamentos. Para fazermos bem o nosso trabalho temos de ter um parque informático remodelado e actualizado. Temos de ter equipamento que seja capaz de replicar de alguma maneira aquilo que os nossos alunos vão encontrar no mercado de trabalho.

Quais são os custos totais?
A Universidade de Lisboa teve no ano passado um orçamento global de cerca de 350 milhões de euros. Não quero falar do valor deste ano porque falta tratar da reversão dos cortes salariais. Mas daqui se vê que a universidade tem de fazer muita receita para além da dotação do OE. Temos uma parte importante que são as propinas dos alunos que, no caso da Universidade de Lisboa, são cerca de 50 milhões de euros, mas temos também e em muito maior volume que as propinas o que conseguimos arrecadar quer com projectos de investigação financiados pela Comissão Europeia e também pelas agências nacionais, e com a prestação de serviços, quer às empresas quer ao Governo. No fundo, temos um orçamento competitivo que, no caso da Universidade de Lisboa, é de cerca de 50% das nossas necessidades.

Precisavam do aumento da taxa máxima da propina?
Acho que esse é um assunto do Governo e da Assembleia da República. É uma questão política e uma decisão política relativamente ao modelo de financiamento do ensino superior. Conheço muitos modelos, os principais variam entre aqueles em que não há nenhuma propina, como acontece nos países nórdicos e na Europa Central, até modelos em que há o pagamento integral do custo do ensino por parte dos alunos, passando pelo modelo australiano, interessante e, provavelmente, socialmente justo, em que os alunos têm de pagar o custo do ensino, para isso têm de se endividar, o Estado assegura o pagamento do empréstimo aos bancos e os alunos só começam a pagar quando, já no mercado de trabalho, atingem rendimentos várias vezes superiores ao salário mínimo.

Qual é, para si, o melhor modelo?
Acho que o nosso modelo de financiamento é equilibrado. Os nossos alunos pagam nas licenciaturas, mestrados integrados e mestrados necessários para o exercício da profissão, 1063 euros anuais. O que estava em jogo era um aumento de cinco euros por ano. Foi isso que foi congelado. Se para os alunos não era um grande sacrifício, para as universidades teria um impacto significativo. É fácil fazer contas. Na Universidade de Lisboa, cerca de 35 mil alunos pagam essa propina e o impacto para a universidade andaria um pouco abaixo dos 200 mil euros.

200 mil euros que dariam para quê?
Podiam ser várias coisas. Desde bolsas para estudantes de doutoramento a salários de alguns professores, etc. Não tenho nada contra o congelamento das propinas, porque é uma decisão política, o que me parece mal é que se tenha tomado esta decisão sem, em contrapartida, as universidades receberem um reforço orçamental para compensar o congelamento de um aumento que, basicamente, visava corrigir a inflação do ano anterior. Isto tem impacto orçamental, porque as universidades vão incorrer nas despesas que estavam programadas e terão menos este valor para as cobrir.

Não está satisfeito com o orçamento para o ensino superior?
Não. Não estou satisfeito com o orçamento mas não é por causa do aumento das propinas. Não estou satisfeito porque o nosso orçamento está muito abaixo das necessidades. As universidades europeias têm um financiamento por aluno que chega a ser cinco vezes o nosso. Se não houvesse receitas próprias teríamos nas universidades menos um terço dos alunos. O custo de um aluno universitário em Portugal, depende das áreas científicas – Humanidades, Engenharia ou Medicina tem custos bastante diversos –, mas oscila entre 3.000/3.500 euros até 10.000 euros por ano. Portanto, o que acontece é que o Estado não está a assegurar o financiamento de todos os alunos.

Qual é então o modelo de financiamento mais adequado?
A este modelo, que corresponde a uma contribuição das famílias e dos alunos com 1063 euros por ano, devem-se acrescentar todos os alunos com bolsas. Em Lisboa, que nem tem dos indicadores mais altos a nível e percentagem de bolseiros, 14% dos alunos têm bolsa da Acção Social e todas essas bolsas cobrem na totalidade o custo das propinas. Acho que não pode ficar fora da Universidade, por razões económicas, ninguém que tenha capacidade para fazer um curso superior e tenha vontade de o fazer. Mas o que está por detrás disto é muito mais que a propina, porque um aluno, quando vem para a universidade deixa de ir para o mercado de trabalho. E ao deixar de ir para o mercado de trabalho, a perda de rendimento das famílias, por ano, é muito maior que o valor da propina.
Os critérios para a atribuição da bolsa da Acção Social são muito apertados e abrangem muito poucas pessoas.

Não é verdade.
A condição económica das famílias tem de ser quase ao nível da indigência para poder ter acesso à bolsa.
O rendimento ‘per capita’ correspondente à bolsa é o rendimento mínimo. Não é tão baixo como já foi. Por outro lado, o número de bolseiros no ensino superior, neste momento, é de cerca de 70 mil. Acho que o facto de haver alguma contribuição das famílias faz com que tenhamos mais gente no ensino superior. Porque a consequência da grande descida da dotação do OE, nos últimos dez anos, para o ensino superior é turmas com mais alunos, menos oferta formativa, menos disciplinas de opção. Nalguns casos, isto correspondeu a uma muito melhor gestão de recursos por parte das universidades. Não há dúvida que a austeridade teve consequências muito negativas mas também algumas positivas, uma delas é termos uma melhor gestão dos recursos que são postos à nossa disposição.»

(reprodução de entrevista DIÁRIO ECONÓMICO online, de 21 de março de 2016)

[cortesia de Nuno Soares da Silva]

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