1. Há propostas (também do próprio
Regulamento agora em discussão) que vão no sentido de permitir a “requisição
permanente” por “entidades” superiores aos docentes. Discordo profundamente.
Foi por causa disso que, nestes quase trinta anos de docência, vi vários livros
extraviados. Por outro lado, porque é que hei-de ter de esmolar a uma “entidade
superior”, que até pode não gostar de mim, que me requisite livros que eu posso
requisitar directamente nas Bibliotecas? Para quê esta mania de colocar sempre
instâncias intermédias e intermediárias onde não há necessidade delas? Qual a
necessidade de reforçar as hierarquias? Para que ajoelhemos melhor diante
delas? Para aprendermos melhor que a Universidade não é um lugar de liberdade?
Para que renunciemos mais facilmente “à busca de um país liberto, de uma vida
limpa e de um tempo justo”, como discursava ontem alguém nas celebrações do 10
de Junho, citando Sophia de Mello Andresen?
Penso ter
sido Jean Delumeau quem, para caracterizar a relação que os Protestantes têm
com Deus, a assimilava a uma relação em que o produtor ia directamente ao
consumidor, dispensando os intermediários. Sem aqui pretender atacar quem for
de sensibilidade católica, é esta mesma relação que pretendo entre as
Bibliotecas e os seus utentes: directa, sem outros intermediários que não sejam
os indispensáveis, reduzidos ao mínimo, “estorvando” o mínimo.
2. Alguém invocou a possibilidade de
requisitar mais longamente os livros necessários para preparar aulas. Embora
com o devido respeito, pergunto: quem controlará o propósito invocado? Não se
está mesmo a ver que logo depois surgirá um qualquer sistema de qualidade, ou
uma qualquer plataforma electrónica, a averiguar junto dos alunos se
determinados livros foram ou não utilizados nas aulas? E não se está a ver que
esse poderia ser um artifício para conseguir “furar” o sistema “regulador” que
nos querem impor? Para quê perpetuar o sistema da não-transparência ou da
mentira para a defesa de interesses que, afinal, até são muito legítimos? Se
encontrarmos normas razoáveis de convivência entre as Bibliotecas e os seus
utentes, não me interessa saber para que serve o livro, interessa-me apenas que
o docente precisa dele. Isto, é claro, para não entrar pela discussão morosa de
distinguir entre um livro que “serve” para preparar aulas e um outro que não
serve. Em certos ou muitos casos, a discussão seria especiosa.
3. Aceito que, por causa da minha doença, me tenha
passado despercebida a justificação para, ultimamente, ter sido alterado o
Regulamento que regeu a maior parte dos anos da minha docência na UM. Não a vi,
mas decerto que o problema é meu. De qualquer modo, só imagino uma razão para
esta recente obsessão regulamentadora: a de que tenha havido muitos livros
extraviados. Nesse caso, gostaria de ter acesso às circunstâncias e aos
números, se não foram dados, ou seja, ter acesso ao estudo que obrigou a rever
o Regulamento antigo.
Não sei se tive uma sorte muito
particular, mas nunca deixei de encontrar um livro que constasse dos catálogos
das Bibliotecas (e há aqueles que foram mandados para as catacumbas porque
poucos os requisitam. Não é crítica, é só para dizer que os extravios, suponho,
não devem ser assim tantos). E as normas que havia para com os faltosos
desincentivavam o extravio (estou a falar do “peixe miúdo”, dos outros casos
nada sei, só posso especular). No entanto, um dia disseram-me que tinha de
devolver um livro que eu tinha consciência de nunca ter requisitado porque até
nada tinha nada que ver com as minhas áreas de interesse. A jovem funcionária,
que não me conhecia de lado algum, mostrou-me a requisição do livro e
perguntou-me, com ironia mal disfarçada, se a assinatura não era minha. Encostada
à parede, disse que sim, mas que continuava a negar tê-lo requisitado.
Lembrei-me então de pedir para chamarem uma funcionária das “antigas”, que bem
sabia como eu sempre tratara bem os livros e, podendo, os devolvia antes do
período solicitado quando havia outra pessoa a querer também lê-los.
Imediatamente acreditou em mim, tanto mais quanto sabia que, na altura (e
agora?), o leitor de barras já não estava em condições e, por vezes (quantas
vezes?) se enganava na cópia dos números. Felizmente, o livro que era suposto
eu ter extraviado sem o admitir (obviamente, passei inicialmente por negligente
e mentirosa aos olhos da funcionária mais jovem, ou, no mínimo, por estar com
uma falta de memória a roçar o Alzheimer), permanecia na estante, intocado. Afinal,
a haver extravio, não teria sido eu a responsável. Mas, se eu não fosse séria,
não teria devolvido o livro que já não estava registado em meu nome, pois penso
não ter havido mais investigação por parte da Biblioteca.
4. Chamo também a atenção para as
investigações que, a meu ver, mais serão prejudicadas e incomodadas pelo novo
Regulamento, seja o das renovações por 14 ou 30 dias: as das ciências sociais e
humanas, que mais precisam de livros. Acredito que muitos dos nossos colegas de
outras áreas já só necessitem acima de tudo de artigos estrangeiros e,
portanto, de acesso a bases de dados. Neste campo, cumpre-me assinalar que, por
vezes, só se possa ter acesso a artigos de certas revistas 6 meses depois de
terem sido publicados, o que, obviamente, não é bom para a investigação. Por
outro lado, tempos houve em que perdi um dia inteiro, passando por diversos
serviços da UM, a colocar o meu portátil em condições de aceder a partir de
casa (e da UM) às Revistas estrangeiras, verificando que, poucos meses depois,
deixara de ter esse acesso. Quantas vezes mais terei de repetir a experiência
de Sísifo?
5. Por tudo isto, peço que nos deixem na
maior paz possível nesta questão dos livros (ao menos, nesta!). Responsabilizem
directamente quem, por negligência ou mero azar, extraviou um livro, não o
devolveu quando outra pessoa o queria ler, etc, o que já estava previsto desde
que entrei para a UM. Mas não nos sobrecarreguem com mais tarefas de sociedade
burocratizada, pois não se conseguem vislumbrar os benefícios da regulamentação
pretendida e já temos regulamentações que cheguem. A meu ver, o regime anterior
a este Regulamento (quer seja o da renovação a 14 ou 30 dias, permitam-me
designá-los assim) mostrava-se perfeitamente adequado: numa primeira versão,
tínhamos de mostrar/devolver os livros requisitados ao longo do ano lectivo, o
que se fazia por Junho ou Julho, podendo requisitá-los imediatamente se não
fossem necessários à Universidade ou a outra pessoa. Numa segunda versão, recebíamos,
também por esses meses, uma folha com os livros requisitados, devendo devolver
a folha devidamente assinada dentro de aproximadamente um mês. Este último é o
regime que prefiro (não vou pormenorizá-lo mais, quase todos sabemos qual era o
seu conteúdo, aqui incluindo o Sr. Vice-Reitor), por ser o que proporciona
maior liberdade a quem lê e investiga. Se há um número desmedido de extravios - quod
erat demonstrandum -, então que se passe para a tal fiscalização anual. Mas não
nos perturbem o prazer da leitura e investigação quando o tempo já é tão pouco
para elas, aplicando-lhes regras que fazem dos livros requisitados uma bomba a
contra-relógio que pode explodir-nos nas mãos quando menos o esperamos.
6. Por último, o meu agradecimento público ao Dr.
Eloy Rodrigues pelo extrema gentileza e cuidado que teve para comigo quanto à
questão da renovação dos livros, atendendo à minha grave situação de saúde
(neste âmbito, um agradecimento também à Drª Matilde Almeida). O meu
agradecimento justifica-se tanto mais quanto o Dr. Eloy já sabia nessa altura
inicial das minhas fortes discordâncias em relação ao novo Regulamento, mas
entendeu-as como fazendo parte da saudável vida democrática das instituições.
Saudações
académicas
Laura Ferreira dos Santos
Profª Associada
IE
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